Escritor húngaro sobreviveu a Auschwitz e descreve os horrores dos campos de concentração e do Holocausto em seus romances. O mais famoso deles é "Sem destino", de 1975, narrado em primeira pessoa.
O escritor húngaro Imre
Kertész morreu aos 86 anos, anunciou sua editora nesta quinta-feira (31/03).
Nascido em Budapeste, o autor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2002.
Kertész tinha 14 anos de idade
quando os nazistas o deportaram da Hungria para o campo de concentração de
Auschwitz-Birkenau. Mais tarde, ele foi enviado para o campo de Buchenwald,
libertado pelos aliados em 1945.
Então, o jovem húngaro de
família judia retornou ao país de origem. O trauma do Holocausto é o principal
tema de sua literatura. Seu romance mais conhecido, Sem destino, de
1975, no qual ele ficou 13 anos trabalhando, é uma de suas obras mais dolorosas
e brutais sobre o Holocausto.
Totalmente inocente, um garoto
de 14 anos descreve sua deportação para Auschwitz e Buchenwald. É uma narrativa
em primeira pessoa da perspectiva ingênua de um menino.
O jovem narrador tenta ao
máximo fazer tudo certo no campo de concentração. Ele não percebe a realidade
mortal das câmaras de gás. Kertész não dá explicações detalhadas, o que aumenta
a sensação de horror sentida pelo leitor.
"Escrevi esse romance
como alguém que se esforça para encontrar o caminho para sair da profundidade
escura de um porão", disse o autor, destacando, no entanto, que o livro
não deve ser visto como autobiográfico. "O que escrevo não sou eu. É
apenas uma das possibilidades sobre mim."
A ditadura nazista não foi o
único fator a exercer um impacto de longo prazo sobre Kertész. Após a Segunda
Guerra Mundial, ele viveu na ditadura stalinista na Hungria e no regime
comunista Kádár, após a revolta de 1956.
Prêmio Nobel
O objetivo de Kertész sempre
foi desmascarar as pessoas num sistema totalitário.
Em seus livros, ele
descreve um novo tipo de pessoa. "Era um tipo de homem que ou esquece ou
falsifica sua biografia sem ter consciência disso. Nessas ditaduras, as pessoas
mergulhavam em situações tão fantásticas que era impossível compreendê-las
imediatamente. E é por isso que as pessoas se adaptavam à situação para
sobreviver", disse Kertész em outubro de 2013, numa entrevista ao jornal
suíço Neue Zürcher Zeitung.
Após 1956, as liberdades de
Kertész como indivíduo e como escritor foram restringidas na Hungria. Durante a
era socialista, ele conta que "pensava em cometer suicídio todos os
dias".
Sem destino foi
publicado por uma editora estatal da Hungria em 1975. De início, o relato
impressionante de um sobrevivente do Holocausto foi ignorado e abafado, pois os
húngaros tinham dificuldade em lidar com o passado fascista do país.
Somente nos anos 1990, quando
seus trabalhos foram publicados em alemão, Kertész ficou famoso mundo afora. Em
2002, sua carreira literária alcançou o clímax, quando ele recebeu o Prêmio
Nobel de Literatura. Ironicamente, foi o grande sucesso na Alemanha que
finalmente lhe rendeu reconhecimento. Mas ele não via contradição nesse fato.
Crítica à "indústria do
Holocausto"
Para o escritor, que leu
Immanuel Kant, Friedrich Nietztsche e Thomas Mann na adolescência, a Alemanha
era um país repleto de cultura. "Fui educado em alemão", disse em
entrevista ao semanário Die Zeit. Nos anos 1990, Kertész chegou a se
mudar para a capital alemã, onde viveu por 12 anos.
Em 2012, ele doou seu arquivo
à Academia das Artes de Berlim. Ele dizia se sentir mais compreendido na
Alemanha do que na Hungria. No entanto, se viu forçado a voltar para o país
natal em 2012, com a segunda esposa, Magda, após ser diagnosticado com o mal de
Parkinson.
Em entrevistas, ele
frequentemente alertava sobre o que chamava de "indústria do
Holocausto". "Cheguei a ver ex-prisioneiros de campos de concentração
fazendo aparições em eventos vestidos com os uniformes de prisioneiros. Isso é
simplesmente ridículo. Sempre me distanciei de tudo o que tinha como objetivo
manipular as massas", disse ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine
Zeitung.
Auschwitz foi o grande tema da
vida de Kertész. E, felizmente, ele nos contou essa história na tentativa de
lutar contra o esquecimento – sobre um destino que o personagem "sem
destino" em seu romance mais temia.
Por Marie Todeskino, na
Deutsche Welle
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