Postagem feita por um perfil falso identificado pelo Facebook que simulava uma ong ambientalista |
A Meta, holding que controla o Facebook e o Instagram, anunciou nesta quinta-feira (7/04) que identificou e derrubou uma rede de perfis e contas ligadas a dois militares do Exército brasileiro que executava uma operação de desinformação sobre temas ambientais.
Um relatório produzido
pela empresa de inteligência digital Graphika, que fez uma investigação
independente a partir dos dados fornecidos pelo Facebook, mostrou que os perfis
criados pela dupla criticavam a atuação de organizações não-governamentais e
elogiavam a ação do Exército no combate ao desmatamento na Amazônia. Os nomes
dos militares não foram divulgados.
"Embora as pessoas
por trás tentassem esconder suas identidades e coordenação, nossas investigação
encontrou vínculos com indivíduos associados ao Exército Brasileiro", diz
a Meta. Os relatórios também não dizem se a ação da dupla agiu sozinha ou a
mando de alguém.
A BBC News Brasil
questionou o Exército sobre o relatório da Meta. Após a publicação original
desta reportagem, o Exército enviou uma nota de resposta (leia a íntegra ao
final do texto).
Na nota, o Exército afirma
que a "instituição possui contas oficiais nessas mídias e obedece as
políticas de uso das empresas responsáveis por essas plataformas. Assim, o
Exército já entrou em contato com a empresa Meta para viabilizar, dentro dos
parâmetros legais vigentes, acesso aos dados que fundamentaram o relatório, no
que diz respeito à suposta participação de militares nas atividades
descritas".
De acordo com a Meta, a
rede operada pelos militares era composta por quatro perfis e nove páginas no
Facebook e 39 contas no Instagram.
Algumas delas, segundo a
investigação, utilizavam fotos criadas a partir de inteligência artificial.
O relatório da Graphika
aponta que a atuação do grupo teve duas fases. Na primeira, eles criaram perfis
que divulgavam crítica ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação a temas
como a política do governo sobre a epidemia de covid-19. A segunda fase da
atuação do grupo foi dedicada a temas ambientais.
Os relatórios da Meta e da
Graphika não explicam os motivos pelos quais as duas fases da operação adotaram
abordagens diferentes. As duas empresas afirmaram que o foco foi a apuração de
comportamento inautêntico envolvendo perfis e páginas no Facebook e no
Instagram.
Rede
de ONGs falsas
A partir de 2019, o
governo brasileiro passou a ser criticado internacionalmente pelo aumento no
desmatamento e na quantidade de queimadas na Amazônia. Sob pressão, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou o emprego das Forças Armadas numa
tentativa de conter a crise.
Em manifestações públicas,
tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o então ministro do Meio Ambiente
Ricardo Salles rebatiam as críticas internacionais de países como França e
atacavam a atuação de ONGs ambientalistas que denunciavam o avanço do
desmatamento no país.
Segundo o documento, a
segunda fase da operação executada pelos militares se deu entre maio e junho de
2021. Para isso, o grupo criou pelo menos três perfis de ONGs ambientalistas
falsas que tentavam gerar engajamento com o público.
Esses perfis tinham nomes
como "NaturAmazon", "Amazônia Sustentável" e "Verde
Mais".
Os investigadores da
Graphika constataram que o endereço indicado no perfil da NaturAmazon
correspondia a uma pet-shop em Manaus.
No caso da Amazônia
Sustentável, o endereço informado pelos responsáveis pelo perfil era o da sede
da ONG Greenpeace, em São Paulo.
De acordo com o relatório,
parte do conteúdo divulgado no perfil da NaturAmazon, por exemplo, era composto
por elogios à ação dos militares.
"O grupo promoveu uma
narrativa central sobre a necessidade de proteger a floresta e sua
biodiversidade, frequentemente elogiando os esforços do governo para combater o
desmatamento [...] Em geral, NaturAmazon só postava estatísticas e notícias
sobre o desmatamento que retratavam o governo brasileiro e os militares de
forma positiva", diz o documento.
Crítica
a ação de ambientalistas
E ao mesmo tempo em que os
perfis falsos divulgavam elogios à atuação do governo, uma outra conta operada
pelo grupo criticava a ação de organizações ambientalistas e em defesa dos
direitos humanos. O perfil foi batizado como "O Fiscal das ONGs" e operava
tanto no Instagram quanto no Twitter.
O nome lembra um outro
perfil, O Fiscal do Ibama, com mais de 142 mil seguidores no Twitter e que
ficou conhecido por criticar a política ambiental do governo.
De acordo com o relatório,
a conta "O Fiscal das ONGs" tentava "minar" a credibilidade
de organizações não-governamentais brasileiras que atuam na defesa do meio
ambiente e que são críticas à política ambiental do governo Bolsonaro como o
Instituto Socioambiental e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
As postagens também acusavam membros dessas ongs de crimes como desvio de
verbas.
"O Fiscal das ONGs
postava conteúdo no Instagram e no Twitter que procurava minar a credibilidade
de ONGs ambientalistas que trabalham na região amazônica [...] As contas
acusavam executivos dessas ONGs de desviarem dinheiro arrecadado para ajudar
povos indígenas na Amazônia e manipular dados sobre tendências de desmatamento
para servir a interesses estrangeiros", diz um trecho do documento.
Identificação
no Portal da Transparência
O relatório da Graphika dá
mais detalhes sobre como forma identificados os militares por trás da rede
derrubada pelo Facebook. Segundo o documento, as contas falsas derrubadas
pertenciam a duas pessoas que serviam ao Exército até, pelo menos, dezembro de
2021.
Os investigadores da
empresa cruzaram os dados dos perfis que eles mantinham em redes sociais e
identificaram padrões que comprovariam que se tratavam de perfis de pessoas
reais. Depois disso, eles cruzaram esses dados como a base de pagamentos do
Portal da Transparência, do governo federal.
"Mais notavelmente,
os perfis de Facebook e contas do Instagram do conjunto que foi derrubado
pertenciam a dois indivíduos que estavam ativamente servido no Exército
brasileiro até dezembro de 2021, de acordo com registros de pagamentos
disponíveis", diz um trecho do relatório da Graphika.
A Graphika diz que a
descoberta da rede operada pelos militares brasileiros é particularmente
importante porque o país realizará eleições em outubro deste ano.
"Isto é
particularmente relevante no Brasil, que tem um histórico de atores
politicamente motivados se engajando em comportamento online coordenado e
prejudicial e que está prestes a realizar eleições presidenciais em outubro
deste ano", disse a empresa.
Ela também lembra as
investigações feitas pela Polícia Federal sobre aliados do presidente Bolsonaro
que teriam orquestrado ataques contra seus oponentes e mostra a tentativa de
fragilizar o ambiente político brasileiro.
"Essa atividade
recém-descoberta não objetivou as próximas eleições, mas ilustra a abrangência
dos atores tentando manipular o polarizado e frágil ambiente político
brasileiro", diz o relatório.
A Meta, holding que
controla o Facebook e o Instagram, anunciou nesta quinta-feira (7/04) que
identificou e derrubou uma rede de perfis e contas comandadas por dois
militares do Exército brasileiro que comandavam uma operação de desinformação
sobre temas ambientais.
*Após a publicação desta
reportagem, o Exército Brasileiro enviou nota à BBC News Brasil com seu
posicionamento. Leia a íntegra abaixo:
"O Centro de
Comunicação Social do Exército informa que o Exército Brasileiro tomou
conhecimento do conteúdo do documento "Adversial Threat Report", da
empresa Meta, por meio de publicações na imprensa na data de hoje, 7 de abril.
O texto afirma que a empresa agiu contra rede de contas falsas que divulgavam
conteúdo com foco em questões ambientais, e que os responsáveis por essas
contas seriam indivíduos supostamente associados à Força. O Exército Brasileiro
não fomenta a desinformação por meio das mídias sociais. A instituição possui
contas oficiais nessas mídias e obedece as políticas de uso das empresas
responsáveis por essas plataformas. Assim, o Exército já entrou em contato com
a empresa Meta para viabilizar, dentro dos parâmetros legais vigentes, acesso
aos dados que fundamentaram o relatório, no que diz respeito à suposta
participação de militares nas atividades descritas. Finalmente, cabe ressaltar
que a Instituição requer de seus profissionais o cumprimento de deveres
militares, tais como o culto à verdade, a probidade e a honestidade."
Leandro
Prazeres, BBC News
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