Chanceler federal,
presidente e chefe da diplomacia alemã condenam rastro de morte deixado por
tropas russas após retirada de subúrbios de Kiev. Procuradora-geral da Ucrânia
diz que 410 cadáveres de civis foram encontrados.
O chanceler federal alemão,
Olaf Scholz, afirmou neste domingo (03/04) que militares russos haviam cometido
"crimes de guerra" no subúrbio de Bucha, a 37 quilômetros de Kiev, e
que a Alemanha e países aliados iriam definir novas sanções contra Moscou nos
próximos dias.
"O assassinato de civis
é um crime de guerra, e devemos investigar de forma implacável esses crimes
cometidos pelas Forças Armadas russas", afirmou Scholz em uma declaração
na sede do governo alemão. "Nos próximos dias, iremos decidir com nossos
aliados sobre as próximas medidas. O presidente [Vladimir] Putin e seus
apoiadores sentirão as consequências."
Scholz afirmou também que a
Alemanha "continuará a fornecer armas para a Ucrânia, para que o país
possa se defender contra a invasão russa".
Mais cedo, a ministra alemã
do Exterior, Annalena Baerbock, também havia acusado neste domingo a Rússia de
crimes de guerra, em reação aos relatos sobre civis assassinados pelas ruas de
Bucha após a retirada das tropas russas.
Num tuíte, ela classificou
como "insuportáveis" as imagens divulgadas: "A violência
desenfreada de Putin extermina famílias inocentes e não conhece limites. Os
responsáveis por esses crimes de guerra têm que prestar contas. Vamos acirrar
as sanções contra a Rússia e apoiar ainda mais fortemente a Ucrânia na sua
defesa", prometeu a chefe de diplomacia alemã.
Em Berlim, o presidente
Frank-Walter Steinmeier igualmente declarou que "os crimes de guerra
cometidos pela Rússia estão visíveis aos olhos do mundo", completando,
segundo a agência de notícias DPA: "As imagens de Bucha me abalam, elas
nos abalam profundamente."
No início de março, o
Ministério Público da Alemanha havia aberto um inquérito sobre suspeitas de crimes
de guerra por militares russos na invasão da Ucrânia. No entanto é a primeira
vez que representantes do primeiro escalão político alemão classificam assim as
ações do exército invasor.
Tiros na cabeça e mãos
atadas
À medida que as forças
militares ucranianas retomam áreas em torno de Kiev até então ocupadas por
tropas russas, cenas chocantes vão se revelando. Neste domingo, a
procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, afirmou que 410 cadáveres de
civis haviam sido encontrados na região de Kiev em locais que estavam sob
domínio de forças russas, alguns alvejados na cabeça e com as mãos atadas.
Em Bucha, situado 37
quilômetros a sudoeste da capital, numerosos cadáveres de civis e de soldados
russos ladeavam as ruas. Jornalistas da agência de notícias francesa AFP
contaram pelo menos 20 corpos em apenas uma rua.
"Todos esses foram
fuzilados", comentou o prefeito Anatoly Fedoruk, acrescentando que 300
residentes foram mortos neste um mês de ocupação russa, estando pelo menos 280
enterrados em valas comuns em diferentes pontos da cidade.
Repórteres da Reuters viram
mãos e pés de vítimas despontando de uma vala ainda aberta no terreno de uma
igreja. Seus colegas da Associated Press (AP) também registraram vítimas civis
ao longo de uma estrada e no quintal de uma casa.
"Eles estavam
simplesmente caminhando, e aí atiraram neles, sem razão", comentou um
residente de Bucha, acusando as tropas russas em retirada dos homicídios
indiscriminados.
"Esses filhos da
mãe!", exclamou à agência Reuters Vasily, de 66 anos, chorando de cólera,
enquanto contemplava mais de uma dezena de cadáveres na estrada onde fica sua
casa. "Desculpem. O tanque de guerra estava disparando. Cachorros!"
Ministro ucraniano pede
missão do TPI
Diante do acúmulo de
indícios do que classificou como "massacre" de civis, o ministro
ucraniano do Exterior, Dmytro Kuleba, apelou pelo endurecimento das sanções
contra Moscou. No Twitter, declarou que os homicídios seriam
"deliberados", com os russos visando "eliminar tantos ucranianos
quanto possam".
Kuleba apelou ao Tribunal
Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, e a outras organizações
internacionais, para que enviem missões a Bucha e demais localidades do norte,
com o fim de recolher possíveis provas de crimes de guerra.
O chefe de diplomacia
ucraniana instou, ainda, o Ocidente a impor embargos ao petróleo, gás e carvão
russos e a fechar todos os portos às embarcações do país, além de desconectar
todos os bancos russos do sistema internacional de pagamentos Swift.
As imagens de Bucha se
propagaram rapidamente pelas redes sociais, desencadeando indignação
internacional. A secretária de Estado britânica para Relações Exteriores, Liz
Truss, declarou-se horrorizada com as atrocidades e reforçou o apelo ao TPI
para que investigue potenciais crimes de guerra na Ucrânia. Moscou nega estar
alvejando civis e rechaça toda alegação de crimes de guerra.
Armadilhas explosivas em
cidades liberadas
Autoridades ucranianas
informaram neste sábado que o exército nacional já teria liberado mais de 30
cidades e lugarejos em torno de Kiev, tendo assumido ter completo controle
sobre a região, pela primeira vez nas mais de cinco semanas desde que o
presidente russo Vladimir Putin ordenou a invasão.
A vice-ministra da Defesa
Ganna Maliar anunciou no Facebook: "Irpin, Bucha, Gostomel e toda a região
de Kiev foram liberadas do invasor." Entretanto as localidades mencionadas
se encontram devastadas ou seriamente danificadas pelos combates.
Numa mensagem de vídeo, o
presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, alertou: "Eles estão minando
todo esse território. As casas estão minadas, os equipamentos, até mesmo os
cadáveres das vítimas." Segundo o mandatário, a intenção seria deixar para
trás uma situação "catastrófica".
O serviço de emergência do
país afirma ter encontrado mais de 1.500 explosivos em apenas um dia, durante
buscas na localidade de Dmytrivka, a oeste de Kiev.
Kremlin: retirada seria
"gesto de boa vontade"
À medida que se retiram de
algumas áreas no norte, nas quais sofreram baixas pesadas, as tropas de Putin
aparentemente se concentram no leste e sul da Ucrânia, onde já ocupam amplos
territórios.
"A Rússia está
priorizando uma tática diferente: recuar para o leste e sul", avaliou nas
redes sociais o consultor presidencial Mykhaylo Podolyak, completando:
"Sem armamento pesado, não vamos conseguir expulsá-los."
Por sua vez, a Rússia tentou
vender a retirada da área de Kiev como um gesto seu de boa vontade no sentido
de negociações de paz. Ambos os lados descreveram como "difíceis" as
mais recentes conferências, no fim de março, na cidade turca de Istambul e por
vídeo. O porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov comentou que "o importante é
as conversações continuarem, em Istambul ou em outro lugar".
Uma nova rodada não foi
anunciada, porém o negociador ucraniano David Arakhamia afirmou neste sábado
que já se teria feito progresso suficiente para permitir um diálogo direto
entre os presidentes Zelenski e Putin. O Kremlin não se pronunciou sobre essa
possibilidade.
av (AP,Reuters,
AFP,Lusa,ots), DW
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