segunda-feira, 11 de abril de 2022

DESCAMINHOS

Transporte escolar no país sofre com falta de veículos e ônibus com defeitos

As três filhas da agricultora Cristina Faria, em Porto Velho, não mudaram a rotina de aulas com a pandemia. As três meninas já estudavam remotamente, assim como cerca de mil alunos da Escola Deigmar Moraes de Souza que não têm como atravessar o rio Madeira, de 1 km de largura, sem a voadeira oferecida pela prefeitura da capital de Rondônia, cujo serviço foi interrompido em 2018.

 

- Como não tem jeito de atravessar, as meninas ficam sem aula. Elas fazem as atividades que a escola manda, mas não dá resultado. Com professor já não é fácil. Sem, fica ainda mais difícil - -conta a mãe das meninas de11, 14e16 anos.

 

O Brasil tem hoje 8, 3 milhões de alunos de escolas públicas que dependem de transporte escolar oferecido pelo poder público. À maior parte deles (7, 4 milhões) precisa de ônibus ou micro-ônibus, mas também de barco (142 mil) e até de bicicleta (5, 7 mil).

 

Nesta semana, o Tribunal de Contas da União determinou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação suspenda uma compra de ônibus escolares até que o tribunal apure se houve sobrepreço no processo. Caso a compra fosse feita pelo valor máximo, poderiam ser gastos R$ 732 milhões acima do que seria considerado aceitável pela área técnica.

A licitação faz parte do Caminho da Escola, programa federal que faz a licitação para prefeituras comprarem os veículos mais baratos e repassa verba que ajuda no serviço. Em 2021, estados e municípios governados por partidos como o PL, o PP e o PTB, que integram o Centrão, ficaram com a maior parte do recurso.

VERBA FEDERAL

O governo federal também é responsável pelos repasses do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar, cujo orçamento em 2022 é de R$775 milhões. O dinheiro é distribuído de acordo com a quantidade de alunos da zona rural que precisam de transporte e custeia despesas com manutenção para o pagamento de serviços contratados junto a terceiros para o serviço. Em 2021, foram R$ 206 por estudante ao ano.

Levantamento do professor da Universidade Federal de Goiás Nelson Cardoso Amaral, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, mostra que, em 2010, o valor atualizado para o programa de apoio chegou a R$ 1, 1 bilhão, mas o montante teve uma queda de 36% em 2022.

- Esse valor é suplementar. Ele cobre, segundo os municípios, 25% dos seus gastos com transporte escolar - explica Willer Carvalho, especialista em transporte pela UnB e responsável por um estudo de 2021 avaliando o programa a pedido do FNDE. - Teve impactos positivos nos indicadores educacionais, como melhoria nas taxas de evasão e de distorção idade-série. A principal demanda dos municípios é que o valor aumente.

No entanto, problemas como a a das filhas de Cristina são mais do que recorrentes no Brasil. Relatório do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou problemas em 55% dos ônibus escolares em 2021. Entre os principais, estavam veículos com mais de dez anos de uso, pneus fora de condições aceitáveis e falta de cintos de segurança.

Uma inspeção do Tribunal de Contas de Mato Grosso encontrou problemas em todas as cidades do estado, também no ano passado. Em 53, usavam-se carros de passeio, caminhões, motos, motonetas e até semirreboques. Em 70 prefeituras, foi constatada a utilização de veículos com menos assentos que alunos transportados. Em 99 municípios, havia veículos com licenciamento atrasado. Receberam veículos com idade superior à prevista no edital 12 municípios, e 14 ganharam e usaram veículos com licenciamento vencido.

TRAGÉDIA NO ÔNIBUS

No final de 2021, a precariedade do transporte escolar causou uma tragédia em Joaquim Gomes, município de 24 mil habitantes em Alagoas. Segundo testemunhas, Mislan Odilon Lima dos Santos, de 15 anos, teria se encostado na porta do ônibus, que estava quebrada e se abriu. Ao cair, foi atropelado pelo próprio veículo e morreu no local.

- Estamos levantando a cabeça e tentando continuar a vida. Não é fácil. Foi uma perda muito grande que a gente teve - conta Misael Odilon dos Santos, de 38 anos, pai do menino.

Desde 2017, uma ação civil pública pedia a adequação dos veículos escolares do município às normas vigentes para o transporte. A Secretaria de Educação de Joaquim Gomes chegou a pedir uma prorrogação do prazo, até o final do ano passado, mas não foram feitas as adequações.

Em fevereiro, a Justiça do estado acatou a denúncia do Ministério Público e tornou três pessoas réus pela morte do menino: o motorista, o mecânico da prefeitura e a secretária municipal de Educação, Neide Maria da Silva Lins, irão responder a uma ação penal por homicídio culposo.

Bruno Alfano, Jornal O Globo  


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