terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Rouba e não faz


Sei que o clima ainda é de Natal e que, portanto, deveria estar escrevendo abobrinhas politicamente corretas, tipo elogiar o tardio pacote de bondades natalinas do Temer para reativar a economia (só se for a dele), que promete, entre outras coisas, baixar em 50% os juros indecentes do cartão de crédito de 475% (!!!) para “módicos” 237,5%, mas não resisto.
Adhemar de Barros, duas vezes governador do Estado São Paulo, ficou famoso com o slogan “rouba, mas faz”. A bem da verdade histórica, queiram ou não, Adhemar foi o homem que colocou São Paulo no rumo do desenvolvimento: foi um tocador de obras. Durante suas gestões, São Paulo experimentou um ciclo de expansão e de modernização, enquanto nós, os gaúchos, andávamos devagar quase parando. Diziase que a única maneira de fazer São Paulo parar seria importando nosso governador Ildo Meneghetti.
Meio século depois, estamos diante de um quadro semelhante, mas ao contrário. Hoje todo mundo rouba, mas ninguém faz. Roubam de todas as formas que se possa imaginar - e muitas delas vão além da nossa imaginação. Roubam da União, estados e municípios, grandes ou pequenos; há prefeitos presos ou que não poderão assumir porque estão sendo procurados pela polícia; vereadores encarcerados, como os 12 dos 15 de Foz do Iguaçu. Roubam até na merenda escolar e, a mais recente novida de, roubam royalties da extração de minérios.
Vejam a última do Tribunal de Contas da União: mandou parar 31 obras federais para investigar o uso ilegal de dinheiro público envolvendo 23 bilhões de reais. Elas vão se incorporar ao imenso patrimônio de obras inacabadas, que faz do Brasil o campeão mundial nessa modalidade de escândalo. Nessa terra onde cantava o sabiá (roubaram o alpiste dele), políticos prometem construir fontes onde não há água e pontes onde não há rio. Isso me faz lembrar do ministro Mario Henrique Simonsen, que dizia que se o governo pudesse pagar só 5% de comissão, mas não ser obrigado a construir a obra, o Brasil seria um dos países mais ricos do mundo... Hoje ele ficaria estupefato. Os números atuais são mirabolantes. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que obviamente ainda não está terminada, foi orçada em 16 bilhões, mas já está em 30; a Refinaria Abreu e Lima era para custar a bagatela de 2,4 bilhões de dólares, já está em 18,5 e vai passar dos 20; a Ferrovia Norte Sul foi orçada em 4,2 bilhões e virou uma ferrovia fantasma.
O Brasil está nas manchetes internacionais como o reino da Corrupção. Era também da impunidade, mas agora a onça está começando a beber água e os meliantes estão indo para a cadeia, sendo processados e transformados em réus, inclusive o expresidente Lula, que já está com cinco na cabeça, “traído” que foi pelos sócios Emilio e Marcelo Odebrecht.
Esta má fama não está afetando somente os empresários e políticos que chafurdam no esquema criminoso, mas denegrindo a imagem de outros que não têm nada a ver com isso. Basta ler a piada que está circulando.
Donald Trump quer a Casa Branca pintada! O chinês pediu 3 milhões. O português pediu 7 milhões. O brasileiro pediu 10 milhões.
Trump perguntou ao chinês como iria fazer? Ele disse: 1 milhão para tinta, 1 milhão de mão de obra e 1 milhão de lucro.
Já o português respondeu: 3 milhões para tinta, 2 milhões de mão de obra e 2 milhões de lucro. Ele então perguntou ao brasileiro, que disse: 4 milhões para mim, 3 milhões para você e 3 milhões que vou dar ao chinês para pintar. Risos à parte, não dá para deixar de homenagear o bom velhinho, ainda que ele tenha estado em nossas casas com o saco vazio. Segundo a arenga governamental, ele virá em 2017 com o saco cheio, talvez tão cheio como o meu. Como a esperança é a última que morre, temos que continuar acreditando que Deus é brasileiro. E trabalhar muito (se conseguirmos emprego) para que o futuro seja melhor. Afinal, “o Brasil tem jeito, só depende da gente”, frase que usei na campanha pela revisão constitucional de 1992, que fiz com o Instituto Atlântico e a Força Sindical. 
Foi o meu maior fracasso como publicitário, já que não conseguimos mudar absolutamente nada e o texto de 1988 ficou intacto, criando os problemas que todos nós estamos vivenciando. Há quem diga que este ano de 2016 deve ser esquecido, de tão ruim que foi. Não é o meu caso. Para mim este ano foi glorioso e será lembrado para sempre como o ano que o Grêmio ganhou pela quinta vez a Copa do Brasil, o que prenuncia um 2017 ainda melhor: seremos campeões da Libertadores. O Papai Noel será azul. Quanto ao Brasil, não sei... Vêm aí as delações da Odebrecht.

Por Flávio Faveco Corrêa, no Correio Popular/SP
Como os maiores dramaturgos de todos os tempos - um russo e um inglês - trataram a questão da corrupção e as relações com o Brasil contemporâneo: clique aqui e aqui.
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