Por Guillermo Altares, no El País
O romancista francês Patrick Modiano (nascido em Boulogne-Billancourt em 1945), um dos mais influentes narradores europeus, autor de obras perfeitas como Dora Bruder e Dans le café de la jeunesse perdue, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Seus grandes romances, que costumam ter poucas páginas e grande intensidade narrativa e intelectual, representam um relato singular e corajoso dos piores momentos da França no século XX: o regime neonazista de Vichy e a ocupação do país pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
A Academia Sueca argumentou que deu o prêmio a Modiano “por sua arte da memória, com a qual ele evocou os destinos humanos mais difíceis de retratar e desvelou o mundo da Ocupação”.
Publicado na Espanha sobretudo pela editora Anagrama – embora sua obra tenha estado muito dispersa – e na França pela Gallimard, Modiano é um escritor humilde e, sobretudo, corajoso. Com o roteiro de Lacombe Lucien, que escreveu em conjunto com Louis Malle, ele foi um dos primeiros a denunciar um tema até então tabu: a ativa participação francesa na perseguição aos judeus, a miséria do colaboracionismo. O filme provocou comoção enorme na França e abriu uma ferida que Modiano nunca fechou em seus livros.
No Brasil, o escritor francês teve sete livros publicados, sendo que seis deles estão esgotados. O mais recente, Filomena firmeza, foi editado pela Cosac Naify neste ano.
Entre seus romances principais se destacam Rue des boutiques obscures, Les boulevards de ceinture, Dans le café de la jeunesse perdue, Dimanches d’aout, Voyage de noces, La place de l'étoile e Des inconnues. Muitos o acusam de escrever sempre o mesmo livro, algo que para seus críticos é um defeito e, para seus defensores, uma bênção. Uma parte importante de sua obra foi traduzida ao espanhol por María Teresa Gallego Urrutia, que conseguiu recriar a clareza e leveza do francês de Modiano.
Quando Jean-Marie Le Clézio recebeu o Nobel em 2007, muitos argumentaram que o candidato eterno da literatura francesa, o próprio Modiano, tinha ficado sem o prêmio máximo da literatura mundial. Mas a Academia Sueca acabou repetindo um idioma para reconhecer uma obra tão complexa quanto é simples, cujas narrativas parecem sempre acontecer no elegante distrito XVI de Paris, mas que percorre com intensidade os dramas e os conflitos do século XX.
Na crítica de sua última obra, L’Herbe des nuits, o literato Alberto Manguel escreveu em Babelia em julho: “Se todo romance procura imaginar os capítulos que faltam num livro, toda biografia é de alguma maneira uma ficção inspirada.
Ao longo de uma obra considerável, Patrick Modiano procurou construir os capítulos dos quais o autor só tem certeza de alguns fragmentos. Mesmo assim, esses fragmentos bastam para conferir aos romances de Modiano uma verossimilhança e convicção extraordinárias. A biografia de Modiano abarca a segunda metade do século XX e o início do século XXI; sua obra, também. Ao centro desta estão os pavorosos anos da Segunda Guerra Mundial, a ocupação da França e a comprida sombra do Holocausto, além da guerra da Argélia. L’Herbe des nuits não foge dessa trajetória muito conhecida.”
De origem italiana por parte de pai e belga por parte de mãe, nascido justamente ao final da Segunda Guerra Mundial, Modiano publicou seu primeiro romance, La Place de l’Etoile, em 1968 e tornou-se escritor reconhecido dez anos mais tarde ao receber o prêmio Goncourt por Rue des boutiques obscures. Se fosse preciso escolher um livro apenas que resumisse o gênio de Modiano, uma escolha possível seria Dora Bruder, que o narrador compôs através de um anúncio classificado dizendo: “Procura-se uma jovem, Dora Bruder, de 15 anos, 1,55 metro, rosto ovalado, olhos cinza-castanhos, blusa esporte cinza, pulôver bordô, saia e chapéu azuis escuros, sapatos esporte marrons. Entrar em contato com o senhor e a senhora Bruder, bulevar Ornano, 41, Paris.” Suas investigações o conduziram, é claro, à colaboração e a Auschwitz, levando-o até as tenebrosas entranhas da Europa do século XX.
Numa entrevista publicada pela Babelia em 2009, Modiano explicou a respeito de Dora Bruder: “Mais tarde, com os anos e com o livro já publicado, me chegaram outros documentos sobre Dora. E eu me perguntei se valeria a pena reescrever o romance ou não. Decidi que não. Não sou historiador. Sou romancista. Não importa tanto o resultado da busca quanto a busca em si. Assim, o romance ficou como está.”