Ao trazer caso de estupro de ucraniana por russos para a Alemanha, advogados esperam responsabilizar também os superiores dos agressoresFoto: imago images/NurPhoto |
Estima-se que centenas de civis
tenham sido vítimas de violência sexual perpetrada por soldados russos desde o
início da invasão da Ucrânia. Quatro suspeitos estão agora na mira da Justiça
alemã.
A guerra da Rússia contra a Ucrânia havia começado há poucas semanas quando forças de Moscou ocuparam um vilarejo perto de Kiev. Ali, dois soldados russos invadiram a casa de uma família ucraniana. A dupla atirou no pai e estuprou a mãe várias vezes. Ela e o filho sobreviveram – e conseguiram fugir para a Alemanha.
O incidente não é um caso isolado. Desde a invasão da
Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, são crescentes os relatos de
violência sexual contra civis ucranianos – mulheres, homens e até crianças –
praticada por membros das forças russas.
Até janeiro de 2023, promotores ucranianos haviam
iniciado investigações de 155 casos. Pramila Patten, representante especial das
Nações Unidas sobre violência sexual em conflitos, afirma, porém, que os
números oficiais de Kiev são apenas a "ponta do iceberg", já que esse
tipo de crime muitas vezes sequer é denunciado.
Ajuda de países terceiros
O caso da mãe estuprada está sendo investigado na
Ucrânia, e um julgamento foi iniciado contra um dos suspeitos russos à revelia.
E agora o crime está também nas mãos do Judiciário alemão.
Os advogados da ONG Centro Europeu de Direitos Humanos e
Constitucionais (ECCHR) e de sua organização parceira ucraniana, o Grupo
Consultivo Jurídico da Ucrânia (Ulag), entraram com um processo criminal junto
à Procuradoria-Geral da Alemanha. Ao fazê-lo, eles querem responsabilizar não
apenas os dois agressores, mas também seus superiores, dois comandantes de alto
escalão.
Isso porque existem brechas na lei ucraniana, explica um
dos advogados do caso, Andreas Schüller, do ECCHR. Primeiro, esse crime contra
a humanidade não está listado como uma ofensa punível. Além disso, a lei
ucraniana não reconhece o conceito de responsabilidade de comando.
"Isso significa que os superiores não são
responsabilizados por crimes internacionais cometidos por seus subordinados,
mesmo que soubessem dos crimes, ou devessem saber, e ainda assim não o tenham
impedido", afirma Schüller à DW.
O Judiciário ucraniano pode, portanto, investigar os dois
soldados russos acusados de assassinato e estupro, mas seria muito difícil
levar seus comandantes à Justiça.
O Tribunal Penal Internacional (TPI), que também conduz
investigações de crimes de guerra na Ucrânia, provavelmente se concentrará em
alguns casos específicos como esse para torná-los exemplos.
Recentemente, a Corte com sede em Haia, na Holanda,
emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, e contra
um membro de seu gabinete, sob a acusação de sequestro de crianças ucranianas
de territórios controlados pela Rússia.
Mas entre os soldados comuns e os principais líderes da
guerra, existe uma "zona cinzenta" envolvendo os supostos criminosos
de médio e alto escalão – e é aqui que entram os promotores de países
terceiros. "A ideia é que eles emitam mandados de prisão para que, se as
pessoas forem pegas, possam ser julgadas na Alemanha ou em outro país
terceiro", diz Schüller.
Criminosos de guerra em tribunais alemães
O especialista em direito internacional Alexander
Schwarz, da Anistia Internacional, afirma que a Alemanha se tornou pioneira
nesse quesito. Os casos trazidos ao país contra perpetradores do regime de
Bashar al-Assad na Síria, por exemplo, ou os veredictos relativos ao genocídio
dos yazidis no Iraque mostram que a Alemanha já lidou com crimes graves que
normalmente caberiam a um tribunal internacional.
"É um grande passo à frente. Costumamos dizer que o
futuro do direito penal internacional está nas cortes de nações
individuais", diz Schwarz. "Há países como a Alemanha que têm
mecanismos de aplicação da lei tão eficientes que são quase mais eficientes do
que os tribunais internacionais."
É preciso muita coragem para as vítimas desses crimes de
guerra enfrentarem as memórias traumáticas novamente no tribunal, especialmente
em um país estrangeiro. Apesar disso, a mãe ucraniana estuprada por soldados
russos quer prosseguir com a ação. Ela e seus advogados esperam que o caso abra
um precedente.
"É importante para nós garantir que a questão da
violência sexual seja trazida à tona, então esperamos que se torne algo em que
as autoridades se concentrem nas futuras investigações", afirma o advogado
Schüller. No passado, casos como esse eram frequentemente ignorados, aponta.
Enquanto os suspeitos permanecerem na Rússia, é muito
improvável que as vítimas enfrentem seus algozes num tribunal. Contudo, no
direito penal internacional, as acusações não prescrevem. "Nunca se sabe
como o mundo vai mudar, e os supostos infratores podem viajar um dia",
afirma Schüller. "Estamos pensando a longo prazo e já estamos
estabelecendo uma base."
DW, Luisa von Richthofen
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