A história pode frequentemente nos
dar lições através de eventos passados para problemas contemporâneos. O caso em
questão é a discussão a respeito de uma moratória nas pesquisas relacionadas
com a inteligência artificial. Em 1974, diante de grandes celeumas que
aconteciam na sociedade em função das pesquisas genéticas ainda em seus
primórdios, foi pedida uma moratória.
Em 1975, aconteceu em Asilomar, nos Estados Unidos, uma
conferência para discutir a regulamentação da pesquisa genética. Aquela
iniciativa, liderada por pesquisadores das principais universidades envolvidas
no assunto, discutiu e desenvolveu um modelo de regulamentação que conseguiu
conciliar os interesses do avanço da pesquisa com a segurança necessária para
aquela necessidade.
Ou seja, depois de longa discussão, a comunidade
científica conseguiu chegar em um documento que serviu de guia para a política
de pesquisa genética nos EUA, publicada em 1976.
Trinta e três anos após o evento, o professor Paul Berg,
Prêmio Nobel de Química de 1980, que coordenou aquele encontro, publicou na
revista Nature um balanço do que foi aquela iniciativa. Chama a atenção o
último parágrafo:
“That said, there is a lesson in Asilomar for all of
science: the best way to respond to concerns created by emerging knowledge or
early-stage technologies is for scientists from publicly funded institutions to
find common cause with the wider public about the best way to regulate — as
early as possible. Once scientists from corporations begin to dominate the
research enterprise, it will simply be too late.” (Dito isso, há uma lição em
Asilomar para toda a ciência: a melhor maneira de responder às preocupações
criadas pelo conhecimento emergente ou pelas tecnologias em estágio inicial é
fazer com que os cientistas de instituições com financiamento público encontrem
uma causa comum com a sociedade sobre a melhor maneira de regular – e o mais
cedo possível. Pois assim que os cientistas das corporações começarem a dominar
o empreendimento de pesquisa, simplesmente será tarde demais [Em tradução
livre]).
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Ou seja, ele conclui que um dos motivos pelos quais
aquela iniciativa foi bem-sucedida deveu-se aos envolvidos serem pessoas da
academia, pois, caso a mesma situação tivesse ocorrido já envolvendo
pesquisadores de empresas privadas, esse tipo de controle e de legislação teria
sido impossível de ser implementado.
A sociedade parece ter memória bastante curta. Ao
pesquisar sobre o encontro para regulação da pesquisa genética em Asilomar,
verifiquei que foram elaborados princípios gerais para IA, e que os mesmos
foram propostos em 2017 como resultado de uma convenção neste mesmo local. Um
grupo de pesquisadores de inteligência artificial se reuniu para discutir
exatamente a legislação que ora nos falta. O trabalho conjunto de princípios
publicados é curiosamente também assinado, inclusive, pelas duas maiores
empresas que influenciam o mercado e a discussão presente: OpenAI e Deepmind.
Assim, o que dizer de tais princípios? Empresas acreditam
estar se guiando por eles? A sociedade já poderia se sentir confortável com o
desenrolar dos fatos? Ou o que foi feito ficou bem aquém do que precisamos?
E, como na já citada conclusão do artigo do professor
Paul Berg, são exatamente as empresas que agora estão envolvidas no
desenvolvimento da pesquisa. Ou seja, a caixa de Pandora está aberta.
Jornal da USP, Enio Alterman Blay
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