(...)
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)
Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.
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Sobre cantorias, escolhas & caráter
Os que gostam do velho Gonzagão jamais esquecem a bela melodia – não por acaso, sábia lição:
“(...) mas doutor, uma esmola pra um homem que é são
ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão (...)”
A bela obra é de Luiz Gonzaga e Zé Dantas e ficou no imaginário popular e nos anais da música popular brasileira como um libelo à coragem, um vigoroso protesto contra a cultura da esmola, da vassalagem e do clientelismo.
“Vozes da Seca” deveria ser uma de nossas mais cultuadas músicas, aquelas ditas “de travesseiro”. Infelizmente não é. E por quê? Uma simples incursão pela cantoria, pelos primorosos versos da composição, não deveria dar margem a dúvidas:
Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos
Os que gostam do velho Gonzagão jamais esquecem a bela melodia – não por acaso, sábia lição:
“(...) mas doutor, uma esmola pra um homem que é são
ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão (...)”
A bela obra é de Luiz Gonzaga e Zé Dantas e ficou no imaginário popular e nos anais da música popular brasileira como um libelo à coragem, um vigoroso protesto contra a cultura da esmola, da vassalagem e do clientelismo.
“Vozes da Seca” deveria ser uma de nossas mais cultuadas músicas, aquelas ditas “de travesseiro”. Infelizmente não é. E por quê? Uma simples incursão pela cantoria, pelos primorosos versos da composição, não deveria dar margem a dúvidas:
Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos
Gonzagão é como ficou conhecido Luiz Gonzaga do Nascimento, nascido em dezembro de 1912, cidade de Exu, e encantado em 1989, no Recife. Por tudo o que fez, foi coroado pelo povo "rei do baião".
Aprendeu a tocar sanfona com o pai e ainda adolescente ja se apresentava em festas e feiras livres. “Asa Branca”, elaborada em parceria com Humberto Teixeira, lhe traria a consagração definitiva.
Os antigos sempre souberam dos perigos da ‘generosidade’ estatal travestida quase que invariavelmente com nomes pomposos, mas que redundam sempre na velha e surrada esmola, na ‘compra’ de votos e consciências. Os mais sábios tentavam responder com exemplos, lições, ensinamentos aprendidos ao longo da história. E nem sempre lograram êxito. Quem não se lembra das frases simples – singelas e profundas – tecidas por nossos antepassados? Algumas atravessaram o tempo perpassando os séculos, da pré-história à era contemporânea. É como se estivessem indelevelmente tatuadas na memória humana. Talvez a mais incisiva seja: “Bem melhor que dar o peixe, é ensinar a pescar”.
Mas, pelo que se percebe, boa parte dos governos reluta em assimilar o ensinamento tão relevante para a cidadania. A maioria dos programas governamentais gravita em torno de uma cobiçada fábrica: a que produz torrentes de ilusões e votos.
Para dourar a pílula ou untá-la com uma casquinha de verniz, convencionou-se fazer referência a esse tipo de assistencialismo como “políticas & ações emergenciais para debelar a fome endêmica”. Nome que empresta pompa e circunstância ao ‘dar o peixe’, que resulta em vício, dependência, e na perda de algo caro e precioso para nossos avós, a vergonha na cara. Já quanto ao ‘ensinar a pescar’, à institucionalização de portas de saída; quanto ao abrir janelas, alargar horizontes, assegurar profissão, emprego ou renda sustentável, gerar oportunidades e democratizá-las – essas ações ficam para ad calendas graecas.
O Bolsa Família, por exemplo, é um dos mais importantes programas sociais do governo federal.
Concebido como um programa de transferência direta de renda, beneficia famílias em situação de pobreza, aquelas com renda mensal de R$ 60,01 a R$ 120,00 por pessoa. Contempla também as famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, as que não conseguem renda mensal superior a R$ 60,00 por pessoa.
Para dourar a pílula ou untá-la com uma casquinha de verniz, convencionou-se fazer referência a esse tipo de assistencialismo como “políticas & ações emergenciais para debelar a fome endêmica”. Nome que empresta pompa e circunstância ao ‘dar o peixe’, que resulta em vício, dependência, e na perda de algo caro e precioso para nossos avós, a vergonha na cara. Já quanto ao ‘ensinar a pescar’, à institucionalização de portas de saída; quanto ao abrir janelas, alargar horizontes, assegurar profissão, emprego ou renda sustentável, gerar oportunidades e democratizá-las – essas ações ficam para ad calendas graecas.
O Bolsa Família, por exemplo, é um dos mais importantes programas sociais do governo federal.
Concebido como um programa de transferência direta de renda, beneficia famílias em situação de pobreza, aquelas com renda mensal de R$ 60,01 a R$ 120,00 por pessoa. Contempla também as famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, as que não conseguem renda mensal superior a R$ 60,00 por pessoa.
As origens do programa estão ligadas a governos estaduais e municipais, como o de Cristovam Buarque, que, quando governador de Brasília, implementou o Bolsa Escola, garantindo renda às famílias que, efetivamente, assegurassem a freqüência de seus filhos na escola. O governo de Fernando Henrique deu dimensão nacional ao programa.
Sob o ponto de vista emergencial o programa tem cumprido seus objetivos. Só no período de 2001 a 2004 foi o responsável por uma queda de mais de 20% no índice de desigualdade do país. A renda mensal das famílias atendidas aumentou nada menos que 21%. São vitórias retumbantes, expressivas, a se comemorar com desfiles, festanças & fogos de artifício.
Portanto, enganam-se (ou estão obliterados pela má-fé) os que desdenham o programa. Na parte que funciona, os benefícios são eloqüentes. O programa exige, por exemplo, que todas as crianças com idade entre 6 e 15 anos tenham freqüência escolar mínima de 85%; e as que se encontram em idade de vacinação devam ter a carteira em dia. Das gestantes exige o exame pré-natal. A punição para os que descumprem requisitos pode levar à exclusão do programa.
Porém, se as vantagens e qualidades não podem ser ignoradas, os problemas também não.
E um dos inaceitáveis é que o governo faz vista grossa dos sistemas de avaliação e controle. Só a partir do final de 2004 se instituiu a sistemática de controle da freqüência escolar. E as regras de exclusão só foram estabelecidas no findar de 2005. Adiantou? Nada. Jamais alguém foi excluído do programa. Como os controles são frágeis e não há perigo de punições, muitas famílias tiraram as crianças da escola.
Outro problema da mais alta gravidade – e não há quem ignore – é que o programa se amesquinha à medida que não disponibiliza portas de saída, o que redunda em manter as famílias aprisionadas à miséria, à dependência indigente. Sinônimo da megaindústria da esmola? Megafábrica de votos.
Conseqüência imediata: ao mesmo tempo em que cresce o número de simpatizantes e uma potencial massa de votos, cresce também – entre os dependentes do Bolsa Família – o abandono escolar.
Apenas quando, com mais atenção, nos debruçamos sobre os números do Bolsa Família é que conseguimos nos dar conta do gigantismo e da real dimensão do programa. Um quarto da população do Brasil depende do Bolsa Família. São 45,8 milhões de habitantes, mais que toda a população da Argentina. E o mais grave, de todo inaceitável: as crianças beneficiárias não estão completando sequer os oito anos do ensino fundamental.
Tem sido cada vez mais comum cantores contemporâneos regravarem músicas antigas, sucessos do passado. Procura-se um para reconduzir “Vozes da Seca” às primeiras posições das paradas. Seria um tributo a Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Para os governos, uma lição sobre as melhores escolhas e opções, as que efetivamente levam à cidadania. E para a sociedade, uma mistura de beleza e encantamento com lições sobre o caráter e a vergonha na cara.
Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br
Portanto, enganam-se (ou estão obliterados pela má-fé) os que desdenham o programa. Na parte que funciona, os benefícios são eloqüentes. O programa exige, por exemplo, que todas as crianças com idade entre 6 e 15 anos tenham freqüência escolar mínima de 85%; e as que se encontram em idade de vacinação devam ter a carteira em dia. Das gestantes exige o exame pré-natal. A punição para os que descumprem requisitos pode levar à exclusão do programa.
Porém, se as vantagens e qualidades não podem ser ignoradas, os problemas também não.
E um dos inaceitáveis é que o governo faz vista grossa dos sistemas de avaliação e controle. Só a partir do final de 2004 se instituiu a sistemática de controle da freqüência escolar. E as regras de exclusão só foram estabelecidas no findar de 2005. Adiantou? Nada. Jamais alguém foi excluído do programa. Como os controles são frágeis e não há perigo de punições, muitas famílias tiraram as crianças da escola.
Outro problema da mais alta gravidade – e não há quem ignore – é que o programa se amesquinha à medida que não disponibiliza portas de saída, o que redunda em manter as famílias aprisionadas à miséria, à dependência indigente. Sinônimo da megaindústria da esmola? Megafábrica de votos.
Conseqüência imediata: ao mesmo tempo em que cresce o número de simpatizantes e uma potencial massa de votos, cresce também – entre os dependentes do Bolsa Família – o abandono escolar.
Apenas quando, com mais atenção, nos debruçamos sobre os números do Bolsa Família é que conseguimos nos dar conta do gigantismo e da real dimensão do programa. Um quarto da população do Brasil depende do Bolsa Família. São 45,8 milhões de habitantes, mais que toda a população da Argentina. E o mais grave, de todo inaceitável: as crianças beneficiárias não estão completando sequer os oito anos do ensino fundamental.
Tem sido cada vez mais comum cantores contemporâneos regravarem músicas antigas, sucessos do passado. Procura-se um para reconduzir “Vozes da Seca” às primeiras posições das paradas. Seria um tributo a Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Para os governos, uma lição sobre as melhores escolhas e opções, as que efetivamente levam à cidadania. E para a sociedade, uma mistura de beleza e encantamento com lições sobre o caráter e a vergonha na cara.
Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br