O pirralho deu um forte murro no vidro lateral do carro e saiu colérico. – Fiedapulta – xingou antes de sair em disparada costurando os carros que cruzavam à sua volta, qual torpedos, infernizando as ruas do centro caótico da cidade. Giscard Miterrand, o delegado, como que por reflexo, levou a mão ao coldre e engatilhou o 38, ansiando apertar o gatilho no tiro que justiçaria o moleque imundo, mas desistiu ante a ligeireza esperta do trombadinha, esguio e escorregadiço.
À filha, de tamanho igual ao do moleque vadio e que aos prantos jazia no banco de traz, assustada com a agressividade gratuita, acalmou sem mais palavras. – Papai ainda dá um jeito nesse bandido, filha – para completar cerrando os dentes já amarelados. – Juro pelo Deus que nos ilumina que vou arrumar a cama desse moleque.
Giscard Miterrand já conhecia o mirrado Jean Pierre de há tempos. Desde muito cedo o menino ziguezagueava pelas ruas de Caiena praticando pequenos crimes e delitos. Agora, já com quatorze anos e ponto fixo nos sinaleiros, reagia com brutal agressividade aos que não estendiam a esmola exigida. – De centavos não quero, só de dinheiro de um ou de cinco – impunha o garoto com a voz já rouca, áspera e tenebrosa. O corpo e a alma franzinos se limitavam a parcas pelancas cingindo os ossos salientes, o que davam aos seus quatorze anos a aparência de cinco.
Um sem número de vezes Miterrand tivera o moleque na mira de seu revolver, dominado, algemado, imobilizado, era só aplicar o tratamento de sempre, mas a turma dos direitos humanos... ah!, essa turma sempre o surpreendendo nas melhores horas, incomodando-o dia e noite, mal o deixando repousar, municiando os jornais com campanhas e mais campanhas que elevavam a marginalia ao status de intocáveis, enquanto deixavam os indefesos cidadãos mais susceptíveis às investidas dos meliantes. Não bastassem os inúmeros grupos de defesa dos direitos humanos do Suriname infestando diuturnamente sua delegacia modelo, agora eram os de Paris que davam o ar da graça, aborrecendo, incomodando, intimidando, ameaçando levá-lo às Cortes Internacionais.
Reservadamente estrilava impropérios do governo e dos políticos os chamando de irresponsáveis, corruptos, obscenos; indignava-se com os volumosos recursos que despendiam em campanhas pelo desarmamento. – Só nos faltava essa – reclamava aos amigos mais íntimos. – O governo não investe em segurança, não investe em novos equipamentos e viaturas, não investe no policial e depois fica com demagogia barata, com esse negócio aí de desarmar a população – se revoltava levando o cigarro à boca para tragar fundo, gesto que habituara fazer antes de concluir um assunto que julgava relevante. – Não protege a população e agora quer que ela se desarme, que fique inteiramente à mercê dos bandidos, é demais para mim.
Ao completar os quinze anos de idade, Jean Pierre tornara-se especialista em estupros. Não fazia distinção de gênero ou idade. Pegava quem tivesse o infortúnio de lhe atravessar o caminho. Iniciou a prática com os colegas de rua. Estuprava e era estuprado como num jogo ritualizado pela vida na sarjeta. A naturalidade com que perpetrava o crime logo o levou a praticá-lo com garotas e garotos da classe média e, com dezessete anos, só se permitia abusar das adolescentes e mulheres untadas à água de cheiro dos bairros reluzentes da capital.
Não havia dia em que os comerciantes deixassem de acorrer em massa à delegacia para as tumultuadas queixas de roubo e latrocínio praticadas pelo mirrado tinhoso. E quando não eram os lojistas, eram pais e parentes das inumeráveis vítimas dos crimes sexuais, vezes, até sete em uma só noite.
O garoto já havia passado por todos os internatos públicos, todas as instituições religiosas de abrigo e apoio a carentes, tornara-se contumaz freguês do Centro de Triagem de Menores, mas, inexoravelmente, novamente ia parar nas ruas para aterrorizar quem dele se aproximasse.
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