segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O que estimula a criança a ler é o exemplo, diz Ana Maria Machado, homenageada da Flica


A carioca Ana Maria Machado, 74 anos, é a homenageada da Flica deste ano, que acontece até amanhã. Ontem, ela participou de bate-papo com o público, para falar sobre sua história, em uma conversa mediada pela professora de Letras Mônica Menezes.

Vencedora do Prêmio Jabuti por três vezes, Ana Maria ganhou também o mais importante prêmio da literatura infantojuvenil mundial: o Hans Christian Andersen, pelo conjunto da sua obra. Para o público mirim, escreveu clássicos como Menina Bonita do Laço de Fita e História Meio ao Contrário.

Durante a ditadura, ela não escapou da sanha dos militares e foi mantida presa por dois dias: “Nunca disseram por que fui presa, mas eu dava aula em universidades e fazia parte de movimentos ativistas de oposição. Fiquei detida por dois dias porque, na verdade, eles queriam saber outras coisas”. Receosa, a escritora, que ia começar o doutorado, acabou indo para a França, onde estudou sob orientação de Roland Barthes (1915-1980), um dos maiores filósofos e linguistas do século passado.

Em seu retorno ao Brasil, voltou às redações dos jornais, onde já havia trabalhado antes do exílio. Paralelamente, se dedicou à literatura adulta e à infantojuvenil e chegou a ter, por 18 anos, uma livraria para crianças, o que, talvez, tenha contribuído para alimentar o rótulo de “escritora infantil”.

Apesar de ter uma extensa produção voltada para o público adulto, a senhora se tornou mais popular como autora infantil. A que atribui isso?
Talvez porque, quando comecei a escrever para crianças, havia poucos escritores que pensavam nesse público. E também porque recebi prêmios importantes internacionais, como o Hans Christian Andersen. Mas acho que essa não é uma pergunta para mim. Talvez seja uma pergunta para a mídia, que, não sei por que, criou esse rótulo. Mas não me incomoda isso. O que me incomoda é não poder responder a essa pergunta.

Muitos dizem que as crianças estão cada vez mais dispersas e não se dedicam à leitura. Como estimular que elas leiam?
O que estimula a criança a ler é o exemplo. O exemplo estimula a aprender qualquer coisa. Se a criança come de garfo e faca é porque vê os pais comerem assim. Mas se ela mora numa sociedade onde adultos comem com a mão, ela vai comer com a mão. Então, se ela mora numa família ou numa sociedade em que ninguém lê, ela não vai se interessar por leitura, mas se as pessoas em volta dela leem e falam sobre livros, ela vai se interessar, porque ler é uma atividade como outra qualquer. Eu tive uma livraria por 18 anos no Rio de Janeiro e nunca encontrei uma criança que não gostasse de ler. Ela podia não gostar de ler um ou outro tipo de livro, mas logo descobria outro, futucava e encontrava. E a concorrência da leitura com outras coisas, sempre houve.

As livrarias estão condenadas ao fim, como muitos acreditam?
A livraria e a biblioteca estão mudando. As livrarias estão colocando uns cafés ou um show de vez em quando em seu espaço. Mas é fato que o número de livrarias diminuiu porque há hoje outros meios onde se pode ler, como a internet. E não importa em que meio se lê. O texto pode estar num papel, num papiro ou num pergaminho. A obra de Homero só foi escrita muitos séculos depois da morte dele, porque antes só era transmitida oralmente. No entanto, hoje todos conhecem a Odisseia.

Durante a ditadura militar, a senhora chegou a ser presa e se mudou para a França. Como os militares justificaram sua prisão? Na sua volta ao Brasil, como foi trabalhar nos jornais? 
Nunca disseram por que fui presa, mas eu dava aula em universidades e fazia parte de movimentos ativistas de oposição. Fiquei detida por dois dias porque, na verdade, eles queriam saber outras coisas. Acabei deixando o Brasil por isso, por recomendação de meu advogado. Na época, eu estava inscrita para fazer doutorado e levei tudo que eu tinha pronto para a França. Me inscrevi no doutorado lá e fui aceita para estudar com Roland Barthes, por três anos. Na volta, havia sido demitida da universidade. Aí, fui trabalhar no Jornal do Brasil. Já tinha tido experiência também no jornalismo na França, na revista Elle. E na Inglaterra, na BBC.

Durante dois anos, a senhora presidiu a Academia Brasileira de Letras. Que ações a ABL realiza, além de promover os encontros entre os seus membros?
Pensam que a ABL é só para os escritores tomarem o chá das cinco e para babar na gravata, mas a Academia faz várias coisas importantes. Primeiro, precisamos esclarecer que é uma instituição que não tem nada a ver com o governo. Na época em que a presidi, fizemos uma parceria com a Federação da Indústrias do Rio de Janeiro (Fierj) para montar bibliotecas em comunidades populares. A Firjan equipava as bibliotecas e nós nos responsabilizávamos pela formação de mão de obra para trabalhar lá. Demos cursos e formamos 98 técnicos auxiliares de biblioteconomia em um curso na sede da Academia. Com a Marinha, fizemos uma parceria também. Os fuzileiros navais ajudaram a recuperar escolas de comunidades do Rio. Então, a ABL faz um trabalho social intenso que não se toma conhecimento porque não se quer. No centenário de Jorge Amado, fizemos convênios com quatro universidades estrangeiras que se dedicaram a estudar a obra dele.

Qual a importância de eventos como a Flica e outras festas literárias?
Esse eventos têm dois lados positivos. O primeiro é que a mídia lembra que existem livros, então isso rende cobertura e a divulgação rende uma multiplicação enorme. Além disso, acabaram os suplementos literários nos jornais e o livro não tem o mesmo espaço de outras artes, como o cinema e a música. Outro aspecto importante dessas festas literárias: mobiliza as pessoas a escolherem e adquirirem livros, além de, eventualmente, encontrarem o autor.


Por Roberto Midlej, no Correio 24Horas
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10) Gravata Vermelha



11) Prestes e Lampião



12) Estrela vermelha: à sombra de Maiakovski



13) Amor e ódio



14) O juiz, a comédia



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