Por Nikolas Fischer, na Deutsche Welle
Com mais de quatro milhões de espectadores, a The Wall Tour (2010 – 2013), do músico Roger Waters, foi a maior turnê de um artista solo de todos os tempos. Ao longo de anos, o megaevento foi acompanhado por uma equipe de filmagem. O resultado é o documentário Roger Waters The Wall, dirigido pelo próprio Waters, que – como o título sugere – apresenta fortes elementos autobiográficos.
The Wall, o álbum duplo mais vendido no mundo, já havia revelado Waters como o cérebro do Pink Floyd. O disco é considerado o último grande trabalho da banda. Lançado em 30 de novembro de 1979 no Reino Unido, o álbum-conceito fala sobre a solidão do cantor de rock Pink, que tem de lidar com a morte do pai, a superproteção da mãe, abusos na escola e o fim do seu casamento.
Como reação, Pink imagina um muro, que ergue em torno de si com seus pensamentos, para se proteger. O que acontece em seguida é narrado canção por canção: Pink termina de construir seu muro (Goodbye, Cruel World) e apela para as drogas e passa o dia na frente da TV (Nobody Home). Os sedativos prescritos por um médico – o solo de guitarra de Comfortably Numb é um dos destaques de The Wall – fazem sua paranoia piorar (Run Like Hell).
No final, ele é julgado por suas ações (The Trial) e condenado. Sua punição: a parede do seu muro é derrubada (Outside The Wall). Waters deixa em aberto, no final do álbum, se o calvário de Pink realmente acabou, porque a última canção acaba exatamente na parte em que a primeira faixa (In The Flesh?) começa.
Referências autobiográficas
A faixa Another Brick in the Wall Part I refere-se ao pai de Waters, que morreu na Segunda Guerra Mundial na luta contra a Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha), quando Waters ainda era um bebê. Quando seu avô morreu – em 1916, também na luta contra os alemães –, seu pai tinha apenas 2 anos. No filme, o diretor visitou, juntamente com seus filhos, ambos os túmulos: o do pai, Eric Fletcher Waters, na Itália, e do avô, George Henry Waters, na França.
O músico contou ao jornal Der Tagesspiegel que ficou chocado quando, certa vez, não conseguiu se lembrar do nome do avô. "O passado se afasta de nós. Meu avô morreu na Batalha do Somme. Em Anzio, meu pai caiu contra os alemães ao defender uma ponte do Exército britânico."
Recentemente, Waters visitou, nos Estados Unidos, soldados que estavam no Iraque e no Afeganistão e não sofreram ferimentos graves. Para ele, esses soldados são "as vítimas inocentes de uma política irresponsável", afirmou ao Tagesspiegel. O encontro o chocou e o motivou a fazer da viagem para as sepulturas um fio condutor da narrativa de seu filme.
Muro entre os membros do Pink Floyd
Durante a gravações do álbum The Wall surgiram diferenças irreconciliáveis entre os membros da banda, a respeito de qual direção eles deveriam seguir. Richard Wright deixou o Pink Floyd e Waters, que em 1984 publicou seu primeiro álbum solo (The Pros and Cons of Hitchhiking), seguiu o mesmo caminho em 1985. A disputa entre ele e David Gilmour havia se intensificado.
Waters declarou que o Pink Floyd havia acabado. Gilmour, Nick Mason e mais tarde Wright queriam continuar se apresentando com o nome da banda, e ganharam uma longa e suja batalha judicial contra Waters. No entanto, ele conseguiu reter os direitos exclusivos de The Wall.
O show espetacular do álbum também foi, em grande parte, ideia de Waters. Na primeira metade, uma enorme parede era erguida com tijolos de papelão, e, na segunda, o Pink Floyd tocava atrás do muro. Diante do muro, uma banda de traços fascistas xingava o público. Sobre o muro eram projetadas animações, e bonecos gigantes entravam em cena. No final, o muro era destruído com uma explosão violenta, e o Pink Floyd tocava a última música (Outside the Wall), sem amplificação eletrônica.
Show histórico
Em 21 de julho de 1990, o show The Wall - Live in Berlin ganhou projeção mundial: a história de Pink, que trata de repressão e ditadura, foi apresentada na antiga "terra de ninguém", que ficava diante do Muro de Berlim. Um show de rock grandioso para mais de 200 mil pessoas, além de milhões acompanhando pela TV.
Waters recebeu convidados como Van Morrison, Bryan Adams, The Hooters, Cyndi Lauper, Sinéad O'Connor e The Scorpions, entre outros. As músicas do álbum foram interpretadas como um símbolo de mudança, embora elas não tenham nada que ver com o Muro de Berlim e sua queda.
Originalmente, Waters havia planejado, junto com Leonard Cheshire e sua organização World War Memorial Fund for Disaster Relief, uma apresentação na Praça Vermelha, em Moscou, contou o músico ao Tagesspiegel. O plano já estava em andamento, disse Waters. "Aí caiu o Muro de Berlim, em novembro de 1989, e ele [Cheshire] me chamou e disse: 'Precisamos ir agora para Berlim!'. Eu concordei na hora."