Filósofos alemão e canadense são agraciados com Prêmio Kluge, da Biblioteca do Congresso, que incentiva representantes das ciências humanas. Ambos se destacaram com obras sobre a era moderna e pelo engajamento social.
Por Klaus Krämer/Stefan Reccius , na Deutsche Welle
O mundo moderno está em constante transformação, e não há nada em que se apoiar. A obra dos filósofos Jürgen Habermas, alemão, e Charles Taylor, canadense, lida justamente com essa modernidade pouco confiável e em constante revolução. E por isso eles receberam, nesta terça-feira (29/09), em Washington, o Prêmio John W. Kluge, considerado o "Nobel das Ciências Humanas".
"É claro que estou contente com esse reconhecimento, que recebo aqui como primeiro alemão. Ao mesmo tempo, isso também faz pensar sobre o que devemos à relação com os Estados Unidos. Para minha geração, os Estados Unidos foram, depois do fim da Segunda Guerra Mundial – não somente em nível político, mas também cultural – uma influência eminente", afirmou Habermas em entrevista à DW, antes da entrega do prêmio em Washington.
A partir de meados da década de 1960, Habermas trabalhou como professor convidado em universidades americanas. Para ele, o Prêmio Kluge fecha o círculo do seu trabalho nos EUA: "Eu conheci muitos amigos tanto em nível pessoal quando profissional. Normalmente, os colegas mais próximos, aqueles com quem mais se aprende, estão no país natal. Eu tenho, aqui nos EUA, no mínimo o mesmo número de colegas realmente brilhantes e com quem eu muito aprendi."
O Centro John W. Kluge, da Biblioteca do Congresso, concede o Prêmio Kluge desde 2003, para incentivar pensadores fora das disciplinas do Prêmio Nobel. Entre os agraciados está a historiadora indiana Romila Thapar, o filósofo francês Paul Ricoeur e o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. O termo "incentivo" não é nenhum exagero, pois o agraciado recebe 1,5 milhão de dólares – mais do que os ganhadores do Prêmio Nobel. Neste ano, com dois agraciados, o prêmio em dinheiro será dividido.
Habermas e sua Teoria da Ação Comunicativa
Natural de Düsseldorf, Habermas nasceu em 1929 e estudou nas universidades de Göttingen e Bonn. A partir de 1956, passou a atuar no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Esse think tankesquerdista também serviu de inspiração para os movimentos de direitos civis de 1968, que também seguiam uma orientação de esquerda. A obra de Habermas foca principalmente no espaço público: segundo o filósofo, nele se desenvolve uma forma de comunicação guiada pela razão e que mantém a coesão da sociedade.
Charles Taylor (84), o filósofo canadense que compartilhou o prêmio com Habermas, vai um passo além: não somente o discurso é necessário, mas também uma inserção ativa de cada indivíduo em sua rede social. Taylor adverte sobre a "falta de uma humanidade conjuntamente vivenciada" na atual "modernidade sem alicerces".
As teorias dos dois filósofos fornecem uma "compreensão enfática do indivíduo e de seus laços sociais", afirmou James H. Billington, bibliotecário-chefe da Biblioteca do Congresso, ao justificar a escolha dos nomes de Habermas e Taylor. Mas não foi somente por suas teses que os dois receberam o prêmio.
Para além da torre de marfim
Billington elogiou os dois pensadores por suas "perspectivas políticas e morais com profundidade filosófica." Em 1975, Taylor ganhou fama com um tratado de 800 páginas sobre o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Mesmo assim, ele sempre conseguiu, "escrever de forma compreensível também para leigos sobre autodeterminação, liberdade, espiritualidade e sobre a relação entre as ciências naturais e humanas", elogiou Billington. Taylor também se candidatou várias vezes pelo Novo Partido Democrático, de orientação social-democrata, no Canadá, e nunca se esquivou do debate público.
Com seus 86 anos, Habermas também gostar de intervir no discurso público. Em sua entrevista à DW, nesta terça-feira, ele sublinhou a sua visão filosófica particular sobre o tratamento dado atualmente aos refugiados na Europa.
"O direito de asilo é um direito humano, e cada um que solicita refúgio político deve ser tratado de forma justa e, se for o caso, deve ser acolhido com todas as consequências." Na Europa, disse o filósofo alemão, não se atentou para a crise "que já se anunciava há muito." Segundo Habermas, a Alemanha e a França já deviam ter desenvolvido há muito tempo uma política europeia comum, que também levasse à cooperação na política de refugiados.
Apesar de ser um crítico das políticas do governo em Berlim, Habermas disse saudar a recente reação na crise de refugiados. "Fazia tempo que eu não estava tão satisfeito com o governo na Alemanha como desde fins de setembro."
Theodor Adorno, o mentor filosófico de Habermas, disse uma vez de si mesmo que não tinha medo de uma torre de marfim – o pensador deve poder se retirar no abrigo proporcionado pelo pedestal da distância. Habermas, que atuou no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt sob a orientação de Adorno, costuma deixar a torre de marfim para interferir no cotidiano da política.