A tecnologia, quem diria, aumentou o gosto dos adolescentes pela literatura
O público infanto-juvenil aproveita as redes sociais para conversar com seus autores e cobrar das editoras a tradução de títulos e uma nova relação com o público
- Rap, gastronomia e literatura. Tudo junto e misturado na Bienal do Livro
O mito de que a tecnologia iria desencorajar a leitura está morto e enterrado. Ao contrário, os canais abertos pelo mundo virtual derrubam outro mito: a de que os adolescentes, viciados em videogame ou redes sociais, não teriam mais tempo ou paciência para acompanhar uma boa história. Na verdade, a produção literária para esse público diversificou as narrativas com histórias mais próximas da realidade, perdendo um pouco da genética didática, por sugestão dos próprios leitores.
A Bienal Internacional do Livro – que acontece a cada dois anos na capital paulista e cuja 23ª edição começa nesta sexta-feira no Anhembi e vai até dia 31 de agosto – alberga incontáveis lançamentos e uma programação mais extensa para este público. Em 2012, foram apenas dois eventos destacados relacionados a adolescentes, entre blogs de literatura, RPG, mangá e games, enquanto nesta edição serão 18 – um reflexo também do aumento da produção das editoras. A Companhia das Letras, para citar apenas um exemplo, passou de nove títulos adolescentes em 2000 para 19 lançamentos no ano passado. Um de seus maiores sucessos, a norte-americana Kiera Cass, que já vendeu 400.000 exemplares da série juvenil Seleção no Brasil, virá ao evento e conversará com os leitores.
Quanto mais estreita for a relação entre autor e leitor, maior a probabilidade daquele livro dar certo. Talvez o maior expoente da categoria amigo-do-leitor seja o best-seller John Green, autor que tem três livros publicados pela editora Intrínseca no Brasil e que já vendeu mais de dois milhões de cópias no país. Sua obra A culpa é das estrelas, que fala do amor e da luta de dois adolescentes contra o câncer, está nos cinemas.
Green, de 36 anos, se tornou um escritor de sucesso por seus livros mas, principalmente, por ter conseguido entrar no dia a dia dos adolescentes. Seus leitores acompanham sua trajetória nas redes sociais, interagem entre si e com ele, questionam o destino de personagens e lhe pedem conselhos. Se espelham em Green. Neil Gaiman e Kiera Cass têm uma relação similar com seus leitores. No Brasil, a escritora Paula Pimenta se aproxima desse modelo. “É um fenômeno atual. Os adolescentes nos avisam quando algum autor que seguem publica um livro lá fora, corrigem erros nas traduções e pedem para mudar os nomes de alguns personagens. São muito ativos nas redes”, garante Danielle Machado, editora da seção juvenil do selo de Green no Brasil.
Júlia Schwarcz, editora do selo da Companhia das Letras para o público infanto-juvenil Seguinte, notou a mudança de títulos e acompanha o crescimento do mercado “principalmente entre as meninas”, conta. “Um dos títulos mais vendidos hoje, Carta de amor aos mortos, é a história de uma jovem que perde a irmã mais velha e lida com isso escrevendo cartas a personalidades como Kurt Cobain ou Amy Winehouse e, através delas, conta seus dilemas”, resume Schwarcz, que também ressalta o sucesso de Hoje quero voltar sozinho, “uma história de amor entre dois meninos latinos” – que virou roteiro de um filme nacional – um exemplo da literatura dirigida ao público adolescente gay, um nicho do segmento juvenil em plena expansão.
Hoje, o Brasil tem cerca de 1.000 blogueiros que escrevem sobre livros de adolescentes. A Companhia das Letras tem parceria com 100 deles, que avaliam e fazem uma resenha dos títulos. Um deles é o Pipoca musical.
A temática das histórias de adolescentes também vem se transformando. Eles procuram nos livros histórias que se apliquem às suas vidas, algo que os faça colocar-se no lugar do outro. Em vez de literatura-fantasia, temas mais realistas. Os especialistas tentam decifram essa transformação. A norte-americana R. J. Palacio é uma das escritoras que alimentam o gênero. Seu último livro publicado no Brasil,Extraordinário, fala da vida de um garoto com o rosto deformado por uma doença genética. Schwarcz sabe disso e esclarece: “Os livros de chamados YA (Young adults, em inglês, jovem adulto] são muito fortes para os adolescentes e foram pensados para jovens entre 20-25 anos lá fora. Mas aqui no Brasil são os de 12 e 13 anos que leem esses títulos”.
Mas, também estão na lista de preferências aventuras, que muitas vezes saltam das páginas de papel para o cinema, como Jogos Vorazes, de Suzanne Collins. Por outro lado, há também adolescentes que não se satisfazem com o que o mercado dispõe e resolvem escrever sua própria obra. Maria Eduarda Bertocco, de 15 anos, apresentará O tal do para sempre (All Print) nesta Bienal. “Quando entrei na adolescência fiquei meio perdida, mas já lia bastante, Nicholas Sparks, John Green, Bruna Vieira [escritora brasileira que também começou com um blog]”, explica Bertocco. “Você se apaixona mil vezes e acha que vai morrer em cada uma delas”, explica a jovem escritora, que lidou com a timidez e escolheu a introspecção como forma de encontrar respostas às suas perguntas. Mas os livros não lhe diziam que aquele não era o único amor e muito menos o fim do mundo e por isso, conta, resolveu escrever. “E além da história de amor, mostro no livro que os personagens vão desaparecendo, assim como as pessoas que saem da nossa vida. Elas vão embora sem avisar”, conclui.