segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Quem paga o pato pela récua de açougueiros?
Deu em O Globo
Plantão de alto risco
Polícia prende estudante de Medicina atendendo pacientes em hospital da Baixada
Vera Araújo e Mariana Belmont
Uma equipe da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde Pública (DRCCSP) prendeu, na manhã de ontem, Silvino da Silva Magalhães, estudante do 9 período de Medicina da Universidade de Nova Iguaçu (Unig), atuando ilegalmente como médico.
Ele foi flagrado dando consultas como ginecologista no Hospital das Clínicas de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. O estudante, de 41 anos, atendeu quatro mulheres pela manhã — a última delas foi uma policial que se passava por paciente e que o prendeu em flagrante.
Segundo o delegado titular da DRCCSP, Fábio Cardoso, Silvino usava um carimbo com o próprio nome e o número de registro no Conselho Regional de Medicina (Cremerj) de um outro profissional. Além disso, ele tinha, na maleta, o carimbo do dono da clínica, o médico Deodalto José Ferreira.
O estudante Silvino afirmou que atendia há dois anos na clínica como acadêmico, auxiliando os médicos. Segundo ele, o profissional de plantão ontem foi fazer uma cirurgia e, por isso, ele teria feito um pré-atendimento a algumas pacientes. Ao ser perguntado se já havia prescrito receitas, ele se calou.
No último domingo, O GLOBO denunciou que hospitais, médicos e cooperativas contratavam estudantes de Medicina para atuarem como profissionais, principalmente para fugir dos plantões de fim de semana. Os alunos receberiam de R$ 200 a R$ 1 mil.
O caso veio à tona depois da morte, no mês passado, da menina Joanna Marcenal, de 5 anos, atendida por um estudante do 4 período de Medicina. O falso médico Alex Sandro Cunha chegou a prescrever remédios controlados para Joanna.
Segundo o delegado, desde a reportagem do GLOBO, o número de denúncias recebidas pelo telefone do Disque-Denúncia (2253-1177) e encaminhadas à delegacia cresceu sete vezes:
— Recebíamos uma média de cinco denúncias por semana. Na semana passada, foram 35, a maioria na Baixada Fluminense e na Zona Oeste.
Assinantes, aqui.
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Quem paga o pato pela récua de açougueiros?
Todas as profissões são importantes e beneficiam a sociedade. Mas a esmagadora maioria não necessita de instituições como os Conselhos Regionais e Federais. Sob o pretexto de defender os interesses da sociedade, essas instituições, na realidade, estimulam um corporativismo nefasto que – se protege os filiados, inclusive quanto aos seus crimes profissionais – funciona como uma barreira insurgindo contra os legítimos interesses da coletividade. A despeito de todo o referencial teórico que as legalizam, não passam de pelotões paramilitares para assegurar reserva de mercado Mas algumas poucas categorias profissionais (uma conta tão rarefeita que mal alcança a quantidade dos dedos de uma mão) efetivamente necessitam de regulamentação específica, mais criteriosa, e de instâncias de regulação e controle. É o caso do ofício da medicina.
Mesmo com todos os desvios e distorções dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina, eis aí algumas organizações imprescindíveis para a defesa dos interesses da sociedade.
Mesmo que os processos internos de sindicância, inquérito e averiguação das irregularidades e crimes praticados pela categoria encontrem, quase que invariavelmente, colossal má vontade, celeridade paquidérmica e resultados pífios, os aludidos conselhos são necessários. Os desvios - não poucos, gritantes - decorrem do viés corporativo que os asfixiam, e da quase indiferença da sociedade que os mantêm sacrários, raramente recorrendo ao judiciário.
Corrigir as extremas disfunções que os atrofiam é uma tarefa premente da sociedade organizada, da pressão social, vez que governo e partidos políticos parecem tragados por outro tipo de preocupação. Pressionar para o eficaz funcionamento do Ministério Público e do judiciário já seria um bom começo.
Ainda que tardiamente, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo – CRM/SP - vem promovendo uma iniciativa importante, exemplar: a avaliação do ensino de medicina no Estado e conseqüentemente, da categoria médica.
E os resultados têm sido catastróficos por um lado, porque revelam a insolvência do sistema, mas animadores por outro lado, porque desvelam o que se encontrava encoberto, porque identifica a chaga exposta e porque evidencia de forma eloqüente o longo caminho a percorrer para a superação definitiva do problema.
Desde 2.005, o CRM/SP assumiu a corajosa iniciativa de avaliar os formandos de medicina na unidade da federação mais desenvolvida do país. E edição após edição, o quadro vai se mostrando tão deteriorado que não escapa a visão sequer de um cego dos dois olhos. No primeiro ano de implementação da avaliação, num universo de 998 estudantes, 69% foram aprovados. No ano seguinte, em 2006, dos 688 inscritos, lograram êxito 62%. A ultima edição, efetuada este ano, apresenta os piores resultados. Dos 2.200 graduandos de 23 escolas de medicina de São Paulo, 833 se inscreveram para fazer o exame. E menos da metade desses estudantes foram aprovados.
Trocando em miúdos, significa dizer que, precisamente, 56% dos formandos de medicina em São Paulo foram reprovados nas provas do Conselho Regional da área, uma forma categórica de concluir que as escolas de medicina – como, aliás, seria de se esperar - integram a fria e desqualificada cumbuca onde foi desleixadamente abandonada a educação brasileira.
Qualquer exame que se faça para aferir o nível de ensino e da educação do país, os resultados sempre estão como o velho samba de uma nota só: transitam de ruim para pior, de pior para péssimo, de péssimo para pífio, de pífio para medíocre, de medíocre para vergonhoso, e segue a infindável cantilena, no ritmo do alazão quando é para a inépcia, e do pangaré se o objetivo é qualificar.
O cenário é dos mais improdutivos e preocupantes, mas a situação não é irremediável nem a escuridão se apossou da esperança. Ao contrário. Por paradoxal que possa aparecer, agora há mais luz, mais claridade. Exatamente quando todas as avaliações, nacionais e internacionais, comprovam que a educação brasileira está no fundo do poço é que as esperanças se revigoram. E muito do renascimento da esperança resulta da determinação do Ministério de Educação de legar ao país a cultura da avaliação, do diagnóstico preciso, detalhado; identificando com exatidão o problema, sua real dimensão e onde se localiza, com precisão milimétrica.
O bom médico é aquele que, para aviar a receita eficaz, consegue realizar um diagnóstico primoroso, promover uma radiografia fiel do paciente, identificar a enfermidade de maneira irreparável. É o que está fazendo o MEC, e com louvável competência.
Iniciativa que vai se espraiando pelos demais setores da sociedade e que, a partir da experiência vitoriosa do Conselho de São Paulo, deve, em curto espaço de tempo, ser absorvida pelos demais conselhos regionais.
A realidade que está emergindo desses sistemas de avaliação é como uma hidra de sete cabeças, horrífica. Porém, mais vergonhosa e covarde era a postura anterior de não revelá-la, forma de manter as coisas inalteradas, insuscetíveis às mudanças. Conseguindo enxergar a quantas andam a educação e o ensino brasileiros, teremos aumentadas as chances de acertar no receituário.
E algumas boas soluções já emergem naturalmente deste processo virtuoso. Como, por exemplo, a decisão do Ministério de cobrar das escolas públicas metas de desempenho. E a decisão do governo de São Paulo de bonificar com até três salários mínimos a mais, por ano, o professor que atingir e superar as metas estabelecidas. Desafios que fazem tremer a malha sindical, tão preocupada com a defesa dos direitos corporativos que muitas vezes afronta os da coletividade.
O exame do CRM de São Paulo apresenta uma característica que torna o resultado do processo mais preocupante. Como é voluntário, não tem caráter punitivo e a reprovação não impede o exercício da medicina, pressupõe-se que a maioria dos que se submeteram ao processo figuram no quadro dos melhores alunos. Caso fossem obrigatórias, as provas inexoravelmente levariam a um percentual maior de reprovados.
Estão aí as explicações para a existência de academias e mais academias que produzem, a exemplo da grande indústria robotizada, ‘carons’ em série, uma súcia de delinqüentes devidamente ‘doutorados’.
Aos bons profissionais da medicina, poucos mas valorosos missionários, nossas reverências.
E quem paga o pato pela récua de açougueiros? A sociedade. Eu e você, caro leitor.
Um alerta a mais para os pais cuidadosos que amam seus rebentos: em pediatria, só 32% acertaram um simples diagnóstico de pneumonia.
Antônio Carlos dos Santos - metodologia Quasar K+ de planejamento.