Brasil tem 34,8 milhões de pessoas que vivem sem coleta de esgoto
O número de brasileiros que vivem em municípios sem rede coletora de esgoto aumentou no País em oito anos - e o crescimento do serviço, bastante tímido, não acompanhou o avanço populacional no período. Em 2008, a falta de infraestrutura sanitária afetava 34,8 milhões de pessoas (18% da população). Em 2000, eram 34,7 milhões (20,4%) - 100 mil pessoas a menos.
Os dados são da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento mostra também que mais da metade dos domicílios brasileiros (56%) não tem acesso à rede de esgoto - as Regiões Norte e Nordeste são as mais deficientes nesse ponto.
Os números sobre o tratamento do material coletado também são preocupantes: pouco mais de um quarto dos municípios (28%) trata o esgoto coletado. Também foi pequeno o crescimento dos municípios com rede coletora de esgoto: de 52% em 2000 para 55% em 2008. Isso representa um aumento de apenas 194 municípios.
O estudo do IBGE é feito com base em dados fornecidos pelas prefeituras, associações comunitárias e órgãos públicos e privados responsáveis por serviços de saneamento de todos os municípios brasileiros. Portanto, são dados oficiais dos governos.
O retrato do saneamento básico no País pode ser ainda mais preocupante do que revelam esses números. Na metodologia adotada, o IBGE considera que o município tem rede coletora de esgoto quando pelo menos um distrito é atendido. Nem a extensão nem a qualidade da rede estão incluídas nessa conta. Ou seja, mais brasileiros podem estar à margem das estatísticas.
A extensão das mazelas provocadas pela falta de saneamento é grande. A Organização Mundial de Saúde calcula que cada R$ 1 gasto em saneamento gera uma economia de R$ 4 em despesas com saúde. O próprio IBGE reconhece na pesquisa que "o saneamento básico é fundamental em termos de qualidade de vida, pois sua ausência acarreta poluição dos recursos hídricos, trazendo prejuízo à saúde da população, principalmente o aumento da mortalidade infantil".
Desigualdade. Além de ter avançado pouco, o saneamento básico no País é distribuído de maneira desigual entre as regiões e é deficiente especialmente no Nordeste e no Norte. Dos 34,8 milhões de brasileiros que vivem em municípios sem rede coletora, 15,3 milhões (44%) são nordestinos.
O País tem hoje 32,2 milhões de casas sem acesso à rede. Apenas Distrito Federal (86,3%), São Paulo (82,1%) e Minas Gerais (68,9%) têm mais da metade dos domicílios atendida por rede geral de esgoto. Rio de Janeiro, com 49,2%, e Paraná, com 46,3%, ficaram acima da média nacional (44%). Os outros Estados apresentaram menos de 35% de cobertura.
"Uma parcela importante da população ainda não tem acesso a rede de esgoto", analisa Antônio Tadeu de Oliveira, gerente da pesquisa. "Os dados mostram que houve evolução em todos os serviços. Mas o avanço mais tímido foi o esgotamento sanitário. Cresceu pouco. É preciso implantar o sistema nos municípios e fazer com que chegue às residências", sugere.
Para Yves Besse, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, é preciso mais que isso. "Estamos patinando em termos de rede de esgoto", diz. Segundo ele, hoje 90% da rede é administrada pelo poder público. "O setor precisa de políticas para o saneamento", acredita.
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Pois bem; o artigo que segue abaixo, escrevi em 2.009. De lá pra cá o que mudou quanto à questão do saneamento? Muito pouco, muito aquém do necessário. E as consequências da irresponsabilidade governamental é uma tragédia sem dimensões. No texto abaixo faço uma homenagem à pequena Kênia Barreto. Quantas Kênias não continuam sendo, todos os dias, assassinadas pela descaso, pela incompetência, pela corrupção?...
ESTAMOS PERDENDO OS NOSSOS ANJOS
Algum tempo atrás a pequena Kênia Barreto, de apenas nove anos de idade, foi ter com Deus.
Kênia era como as outras crianças de sua idade. Brincava, estudava, irritava-se ao ter que comer folhas e verduras amargas nas refeições, acalentava sonhos e esperanças.
Como todas as crianças da sua idade, em virtude da falta de segurança que assola nossas cidades, era mantida em seu castelo de fadas, e pouco saía do perímetro de sua casa. Que pai e mãe não respiram melhor e aliviados ao saber que a filha de nove anos brinca no quintal de casa?
Kênia morava em Santa Bárbara D’Oeste, município distante 138 km da capital do Estado mais rico e desenvolvido do país, São Paulo.
E a pequena criança de apenas nove anos de idade morreu num estado deplorável, envolto em vômito e diarréia, picada que foi em uma das mãos por um escorpião. E isto não ocorreu enquanto desbravava a floresta amazônica. Aconteceu enquanto brincava no quintal de sua casa.
Lembrei-me de um tempo já longínquo, quando coordenava um programa de saneamento rural e educação ambiental com recursos do Banco Mundial. Em uma comunidade rural goiana, o lixo, o entulho e as condições ambientais faziam proliferar um exército de escorpiões.
Como a pobreza e a miséria estavam enraizadas em todas as residências, optamos por uma solução alternativa para combater os escorpiões: distribuir galos e galinhas para a comunidade. Predadoras de insetos, escorpiões e pequenos animais peçonhentos, as galinhas fariam o papel de “agentes” capazes de sanear o ambiente e, ao mesmo tempo, agregar ao cardápio alimentar ovos e frangos, oriundos da criação.
O planejado, contudo, não logrou êxito porque, famintos e miseráveis, a comunidade não teve alternativa que não fosse comer todos os “agentes” saneadores.
No Brasil, as questões sanitárias e de educação ambiental, são, desde sempre, tratadas de maneira deplorável. O caso da morte da pequena Kênia é prova do descaso das autoridades e dos agentes públicos. Nesses últimos anos os recursos federais destinados às ações de saneamento foram os que mais receberam cortes para atender ao superávit primário.
Carcomidos pelos escorpiões, pela esquistossomose, pela cólera, pela amebíase, pela giardíase, pela febre tifóide, pela salmonelose, pela hepatite infecciosa, pela poliomielite e pela disenteria, são nossas crianças que pagam o alto preço da irresponsabilidade de nossos políticos, de nossos gestores públicos.
A sociedade deve se mobilizar para impedir que os lobos continuem a devorar nossos anjos.
Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+.