O "maior cantor sem voz do mundo" passou por várias fases, desde o início como astro do folk até o renascimento criativo, no fim dos anos 90. Incontestáveis são sua criatividade e um lugar entre os grandes da música pop.
Já se disse sobre ele que é "o maior cantor sem voz", em mais uma tentativa inútil de explicar o fenômeno Bob Dylan. Outra, também frustrada, é o aposto "cantor de rock e folk". São definições que ficam muito aquém do que ele faz e não descrevem um artista que consegue se desvencilhar dos clichês e rótulos antes de eles colarem nele. Dylan se reinventa antes que os críticos consigam categorizá-lo.
Quanto mais ele muda, mais define sua identidade. A metamorfose é o fator mais constante. A primeira reviravolta radical surpreendeu os fãs já em 1965, no Newport Folk Festival. Dylan estava prestes a entrar para a história da música como um ícone do folk e das canções de protesto quando ligou seu violão a um amplificador elétrico e colocou uma banda de rock completa no palco.
Os fãs, absolutamente irritados, encararam o show como uma traição ao folk e o vaiaram. Mas a transformação de ícone do folk em artista de rock rendeu os melhores álbuns da carreira de Dylan. São dessa fase Bringing it all Back Home, Highway 61 Revisited, com o clássico Like a Rolling Stone, e Blonde on Blonde.
Até o festival de Newport, a carreira de Dylan havia transcorrido sem grandes percalços. Ainda com o nome de batismo Robert ("Bobby") Allen Zimmerman, o jovem de família judaica de Duluth, Minnesota, começou a tocar, ao piano ou violão, o rock dos anos 50 em bandas da escola.
A paixão pelo nascente movimento folk veio em 1959, durante os estudos em Minneapolis. Compositores itinerantes, como Woody Guthrie, ou cantores ativistas de esquerda, como Pete Seeger, tornaram-se mais importantes para ele que pioneiros do rock, como Little Richard e Gene Vincent.
O grande nome do folk
Ao lado de Joan Baez, Dylan se firmou como referência entre os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos
No início dos anos 60, o jovem Bob Dylan foi parar no Greenwich Village, na efervescente Nova York, onde chamou a atenção de Joan Baez. Já famosa, ela o levou consigo, em turnê. Dylan não apenas agarrou a chance de tocar para públicos maiores como se firmou como um dos nomes do crescente movimento de protesto graças a canções como Masters of War,Blowing in the Wind e A Hard Rain's a-Gonna Fall.
Em Washington, ele esteve ao lado de Baez na marcha pelos direitos civis de 1963. Aos poucos, Dylan deixou a sombra de sua mentora e aumentou sua influência na cena pop, lançando clássicos como The Freewheelin' Bob Dylan e The Times They Are a-Changin'. Para a revista Newsweek, ele era tão importante para a música pop quanto Albert Einstein para a física.
Anos difíceis e inconstantes
Após um acidente de moto no verão de 1966, Dylan se retirou da vida pública, abandonou a contracultura e foi morar com a esposa, Sara Lowndes, e os filhos perto de Woodstock, no estado de Nova York. Quando a vizinhança recebeu o festival mais importante do século, em 1969, o pioneiro do rock e do pop, assim como os Beatles e Rolling Stones, não estava no palco.
A pausa significou também a libertação de uma agenda cansativa e de uma vida doentia como músico de rock. Dylan ficou sete anos afastado dos palcos, mas não deixou de gravar e lançar discos. Ele voltou a fazer uma turnê em janeiro de 1974 e, ao final dela, sua relação com Sara estava estremecida. A inevitável separação do casal rendeu um dos melhores discos da carreira de Dylan, Blood on the Tracks, lançado no final daquele ano.
A década de 1970 veria ainda um outro grande álbum de Dylan, Desire, lançado em 1976. De um modo geral, porém, foi uma década difícil e instável para ele, que culminou numa certa estagnação criativa a partir do fim da década e na conversão ao cristianismo. A mudança de religião, mais uma vez, despertou a ira e provocou uma debandada de fãs.
Em retrospectiva, também a década de 80 começou com saldo negativo: discos fracos, problemas com alcoolismo, apresentações caóticas. Mas a década também trouxe momentos positivos, como o segundo casamento, o sucesso comercial com o grupo Traveling Wilburys e o início da longa turnê Never Ending Tour, com cem shows por ano desde 1988 e até hoje.
Para muitos fãs e críticos, o marasmo artístico só acabou mesmo com Time Out of Mind, lançado em 1997. Considerado um dos melhores discos de Dylan, ele iniciou um retorno à velha forma e foi sucedido por outros álbuns também marcantes, como Love and Theft, de 2001, Modern Times, de 2006, e Together Through Life, de 2009.
Prêmios e homenagens
As distinções recebidas por Dylan são impressionantes: 11 Grammys, um Oscar de Melhor Canção Original, um prêmio Pulitzer por "suas composições líricas e de extraordinário poder poético, que causaram profundo impacto na música popular e na cultura americana", entre outros prêmios. Em 2012, ele angariou ainda a Medalha Presidencial da Liberdade, concedida pelo presidente Barack Obama, a honraria civil mais alta dos Estados Unidos.
No seu 75º aniversário, nesta terça-feira (24/05), Dylan está de folga, pois a Never Ending Tour faz uma pausa. Esse senhor de bigode fino e cabelos grisalhos poderia aproveitar o tempo para refletir sobre o seu papel na história da música, mas ele dificilmente o fará. E nem é necessário, pois outros fazem isso por ele, como o professor de história Sean Wilentz: "O que Bob Dylan fez, sobretudo nos anos 60, foi transformar em palavras ideias e sentimentos que outros não conseguiam transformar em palavras."
Por Jürgen Brendel / Tamara Menezes, da Deutsche Welle