terça-feira, 8 de abril de 2014

Filme retrata Isang Yun, um compositor dividido entre as duas Coreias


Do Deutsche Welle
CULTURA
Enigmático, ele foi herói, traidor, iconoclasta, prisioneiro e exilado. Quase duas décadas após sua morte, documentário alemão busca a verdade por trás do polêmico músico.

Em 17 de junho de 1967, Isang Yun recebeu uma visita em seu apartamento em Berlim Ocidental, onde vivia desde 1964. Seus inesperados visitantes eram agentes do serviço secreto sul-coreano, que instruíram o músico a ir à embaixada do país em Bonn, então capitão alemã.

Vinte e quatro horas depois, Yun – um dos mais notórios e controversos compositores clássicos contemporâneos da Coreia do Sul – foi preso em Seul a mando do governo militar de seu país, então sob o comando do general Park Chung-hee. Ele foi acusado de ser simpatizante do comunismo, espião e traidor da pátria. Foi torturado e condenado à prisão perpétua.

A abdução de Yun é emblemática em relação à vida que o compositor levava. Embora nunca tenha sido explicitamente político, ele, assim como muitos de seus compatriotas coreanos, foi vítima da trágica trajetória de seu país no século 20, brutalmente dividido depois da Guerra da Coreia.

Yun já era um compositor famoso em sua terra natal quando os japoneses ocuparam a, até então unificada Península Coreana durante a Segunda Guerra Mundial. Ele foi preso por suas atividades pró-independência da Coreia.

"Eu acredito que Isang Yun era essencialmente apolítico", diz a cineasta Maria Stodtmeier.

In Between: Isang Yun in North and South Korea (No meio: Isang Yun na Coreia do Norte e do Sul, em tradução livre) é o nome do mais recente documentário de Stodtmeier, que investiga os muitos equívocos que cercaram o enigmático compositor e seu exílio político. O longa investiga seu conflituoso legado e como ele é visto tanto nas Coreias.

"Antes de tudo, ele era um compositor, mas também um produto desse momento único na história", afirma Stodtmeier, que viajou para a Coreia do Sul e do Norte para fazer o filme, premiado como melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Mumbai (Índia).

"Ele cresceu durante a colonização japonesa, viveu a divisão de seu país com a Guerra da Coreia e a ascensão de duas ditaduras, uma no sul e outra no norte. Ele viveu como refugiado na Alemanha. Ele só foi político pelo acidente de ser quem era", completa a diretora.

Tradição asiática e inovação ocidental
Nascido na modesta cidade costeira de Tongyeong, na atual Coreia do Sul, Yun estudou composição coreana tradicional, antes de aprofundar seus estudos musicais em Paris e Tóquio. Foi nestas cidades que ele se apaixonou tanto pela tradição clássica ocidental, quanto pelo movimento de vanguarda do final da década de 1950.

O estilo peculiar de Yun logo se tornou uma síntese dessas três diferentes tradições, absolutamente contemporâneo em suas referências às composições dodecafônicas, mas ainda entrelaçadas com elementos formais tanto do Oriente quanto do Ocidente.

Ao longo da vida, ele acumularia um impressionante conjunto de obras, que incluem quatro óperas, mais de 20 peças orquestrais, além de dezenas de outras composições para conjunto de câmara, coro ou solistas.

"Ele desenvolveu um estilo próprio em sua música e em sua vida", afirma Maria Stodtmeier. "Ele misturou tudo: os antigos sons da Coreia estão por toda sua obra. Ele levou esses elementos para a música ocidental contemporânea e trouxe elementos modernos para a música coreana. Yun foi o primeiro compositor asiático que fez música contemporânea ocidental. Ele era corajoso o suficiente para colocar sua identidade asiática na música ocidental, algo até então inédito."

A abdução de Yun aconteceu em decorrência de revelações que indicavam que ele estava em contato com a Coreia do Norte, por meio da embaixada desta em Berlim Oriental. Ele realmente visitou tanto a embaixada como a capital do país, Pyongyang, em 1963. Yun estava, na verdade, intrigado com o Norte, onde tinha família e amigos.

Isso tudo acontece nos anos 1960, uma época em que artistas e intelectuais questionavam abertamente o capitalismo, e consideravam o socialismo uma alternativa. Graças à fusão de antigas tradições coreanas com inovação ultramoderna, a obra de Yun era profundamente reverenciada na Coreia do Norte. Essa combinação parecia adequada ao espírito do Estado comunista de Kim Il-sung.

"Acho que os norte-coreanos entenderam a essência da obra de Yun, com sua mistura do velho com o novo", diz a cineasta Stodtmeier. "Por outro lado, a Coreia do Sul se tornava mais conservadora sob o governo de Park Chung-hee, fazendo com que Yun caísse cada vez mais em desgraça por lá."

Escrevendo a história
Os desentendimentos de Yun com a Coreia do Sul não demoraram a acontecer. Ele foi sequestrado junto com acadêmicos e artistas sul-coreanos que viviam na Alemanha e enfrentou a prisão no país, acusado de chefiar uma conspiração de espionagem comunista.

No entanto, depois de intenso trabalho de lobby da Alemanha Ocidental e de uma petição amplamente divulgada por compositores de renome como Karlheinz Stockhausen, Hans Werner Henze, Mauricio Kagel e Igor Stravinsky, o regime de Park Chung-hee cedeu à pressão internacional e libertou Yun em 23 de março de 1969.

Ele voltou para a Alemanha Ocidental, onde lhe foi concedida a cidadania. Yun nunca mais voltaria à Coreia do Sul e sua obra permaneceria proibida no país até meados dos anos 1990.

O compositor passou o resto da vida ensinando e escrevendo em alemão (foi condecorado com a Medalha Goethe e a Ordem de Mérito da República). Ele viajava regularmente para a Coreia do Norte, onde o governo fundou uma orquestra exclusivamente para a execução de suas obras.

Depois que Yun morreu, em 1995, sua reputação passou por uma cautelosa reabilitação na Coreia do Sul. Hoje, ambos os países sediam um Festival Isang Yun e estabeleceram orquestras com seu nome. Ainda assim, há uma grande quantidade de mal-entendidos em ambos os lados sobre o verdadeiro Isang Yun.
"Identidade era muito importante para ele, por isso ele procurava por sua verdadeira identidade, na música e na vida", conclui Stodtmeier. "A Coreia do Sul diz que ele lhe pertence, assim como a Coreia do Norte. Até a Alemanha reivindica o compositor. Talvez ele pertença a todos nós, ou a nenhum de nós. Identidade é o núcleo da história de Isang Yun e está presente em sua música. Seu coração estava partido, ele nunca pode voltar a sua terra natal e não viveu para ver a Coreia reunificada, o que era seu maior sonho".

No entanto, Yun viveu a reunificação da Alemanha, o que deve ter sido um momento agridoce para ele. Sua terra natal continua fortemente dividida, um destino no qual Yun comoventemente reverenciou em seu virtuosísticoConcerto para violoncelo de 1976, uma obra que ele descrevia como autobiográfica.

A obra gira em torno da nota lá – para Yun, símbolo da união perfeita –, porém termina tristemente, sem alcançá-la. Assim como em sua terra natal, seu Concerto para violoncelo se mantém frustrantemente inconciliado.

Nas palavras do próprio Yun: "Um compositor não pode ver o mundo em que vive com indiferença. O sofrimento humano, a opressão, a injustiça – todo isso vem a mim, em meus pensamentos. Onde há dor, onde há injustiça, eu quero dar meu ponto de vista, através da minha música."