O mundo de Marcel Proust
Deu no Estadão
O jantar em que os gênios não se bicaram
Diferentes no comportamento e tipo de vida, gosto e estilo literário, os dois maiores romancistas do século 20 - o francês Marcel Proust (1871-1922) e o irlandês James Joyce (1882-1941) - eram rivais entre si, não gostavam um do outro e só se cruzaram uma única vez. O encontro aconteceu a 18 de maio de 1922, em torno de elegante jantar promovido por um casal amigo, no restaurante de requintado hotel parisiense. Foi relembrado pelo historiador inglês Richard Davenport-Hines no livro Uma Noite no Majestic (Editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2007) e diferentes cronistas. Mas nenhum dos escritores comeu direito, até porque ambos chegaram atrasados e Proust, para completar, habitualmente mal tocava na comida, embora fizesse apetitosas evocações de comida e cheiros em sua obra monumental.
Joyce apareceu na hora do café, maltrapilho, sem o smoking protocolar e muito bêbado, aparentemente para disfarçar o nervosismo. Sentou-se à direita do anfitrião, o milionário, culto e cosmopolita britânico Sydney Schiff (1868-1944), e não muito longe da mulher deste, Violet. Dormiu, roncou e acordou. O casal organizador da festa passara a admirá-lo depois da uma leitura pública de trechos de seu Ulisses, lançado em 1922, o livro que implodiu o romance tradicional. Aceitou uma taça de champanhe e se manteve pensativo, apoiando a cabeça nas mãos. Proust, no auge da fama, porque a obra-prima Em Busca do Tempo Perdido, em sete volumes, publicada entre 1913 e 1927, já fazia merecido sucesso, surgiu às duas e meia da madrugada. Apesar de afetado e psicologicamente atrelado à falecida mãe, que o chamava de mon petit benêt (meu bobinho), de ser asmático e estar debilitado - ele morreria seis meses depois -, sobressaía-se pela elegância do casaco preto de pele e luvas brancas de pelica.
Na verdade, o jantar no Majestic se destinou a reunir Proust e Joyce, mas oficialmente foi promovido para comemorar a estréia do balé burlesco Le Renard, do compositor russo Igor Stravinski (1882-1971), montado pela companhia do empresário e diretor artístico russo Serguei Diaghilev (1872-1929). Tanto que começou depois da meia-noite e a ele compareceram quase 50 pessoas, entre as quais, além de Stravisnky e Diaghilev, homens e mulheres de boa e má reputação, e figuras luzidias da Paris da época: o atarracado, impulsivo e genial pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973); a russa Bronislava Nijinska (1891-1972), intérprete do papel-título de Le Renard, primeira mulher feia a se tornar famosa pela dança clássica; e a princesa Edmond de Polignac, nascida Winetta Singer, filha do inventor da máquina de costura, a quem os conterrâneos descreviam como "fabulosamente rica e discretamente lésbica". Entretanto, o relato mais substancioso do jantar no Majestic, hôtel de luxe da Avenida Kleber, acha-se no livro de Davenport-Hines, apesar de dedicar apenas um capítulo à ceia e não esclarecer completamente o que os convidados conversaram e saborearam.
Combinando-se as diferentes fontes, descobre-se um pouco mais. Joyce falou a um amigo do encontro com Proust: "Nossa conversa se resumiu à palavra ?não?", disse ele. "Proust me perguntou se eu conhecia o duque fulano-de-tal. Eu respondi ?não?. Nossa anfitriã indagou-lhe se ele já havia lido algum trecho de Ulisses. Proust respondeu ?não?. E aí por diante." Quanto à comida, as receitas que iniciaram a ceia seriam da culinária russa, escolhidas para homenagear Stravinski e Diaghilev. Incluíam os obrigatórios canapés de peixe defumado e os requintados blinis com caviar. Davenport-Hines concluiu que, pelo horário tardio da refeição, a cozinha elaborou pratos mais leves: linguado à Waleska (finalizado com molho branco encorpado por creme de leite e queijo) e noisettes de cordeiro (medalhões do lombo de ovino medindo cerca de 4 cm de espessura, passados na manteiga), por exemplo. Entretanto, o forte da ceia, segundo Uma noite do Majestic, eram receitas mencionadas por Proust em sua obra.
Os anfitriões Sydney e Violet Schiff estavam fanatizados por Em Busca do Tempo Perdido. Seu autor apreciava, entre outras excelências, pratos de aspargos, pernil de cordeiro assado acompanhado de molho béarnaise (manteiga, gema de ovo, vinagre de vinho branco, cebola, estragão e pimenta); e lagosta à l?américaine (feita com tomate e vinho branco). Na sobremesa, Davenport-Hines alinhou as possibilidades proustianas: salada de frutas, bolo de amêndoas e mousse de morango. A refeição opulenta, na qual seis garçons ofereceram champanhe do começo ao fim, encerrou-se com um episódio antológico. Joyce entrou sem pedir licença no táxi apertado em que partiam Proust, Sydney e Violet. O romancista de Em Busca do Tempo Perdido falava sem parar, enquanto o de Ulisses, olhando-o de esguelha, acendeu um cigarro, abriu a janela do carro e quase matou de susto o rival, cuja asma não suportava fumaça. Além de tudo, Proust vivia trancado em um quarto forrado de cortiça e morria de medo do ar fresco.
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Biografia
Proust nasceu em Auteuil (o setor sul do então rústico 16.º arrondissement de Paris), na casa de seu tio-avô , dois meses após o Tratado de Frankfurt terminar formalmente a Guerra Franco-Prussiana. Seu nascimento ocorreu durante a violência que envolveu a supressão da Comuna de Paris e sua infância corresponde ao período da consolidação da Terceira República Francesa. Grande parte de Em Busca do Tempo Perdido diz respeito às grandes mudanças, mais particularmente o declínio da aristocracia e a ascensão das classes médias que ocorreram na França durante a Terceira República e o fin de siècle.
O pai de Proust, Achille Adrien Proust, foi um proeminente patologista e epidemiologista, responsável por estudar e tentar remediar as causas e os movimentos da cólera através da Europa e da Ásia. Foi o autor de muitos artigos e livros sobre medicina e higiene. A mãe de Proust, Jeanne Clémence Weil, era filha de uma rica e culta família judia da Alsácia. Ela era culta e bem informada; suas cartas demonstram um senso bem desenvolvido de humor e seu domínio do inglês foi suficiente para lhe fornecer a assistência necessária para as tentativas posteriores de seu filho de traduzir John Ruskin.
Por volta dos nove anos de idade, Proust teve seu primeiro ataque grave de asma e, a partir daí, ele foi considerado uma criança doente. Proust passou longos períodos de férias na aldeia de Illiers. Esta aldeia, juntamente com as lembranças da casa do seu tio-avô em Auteuil, tornaram-se o modelo para a cidade fictícia de Combray, onde algumas das cenas mais importantes de Em Busca do Tempo Perdido têm lugar. (Illiers foi renomeada para Illiers-Combray por ocasião das comemorações do centenário de Proust). Mais, aqui.
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Um estudo comparado entre Clarice Lispector e Marcel Proust. Aqui!
Manuscritos
Vários sites sobre o autor
Trecho de Os Prazeres e os Dias
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