Um prisioneiro político do regime soviético revela as atrocidades
dos campos de trabalho forçado em 'Um Dia na Vida de Ivan Denisovich'.
E Kruschev surpreende ao autorizar a publicação sem qualquer censura
O que aconteceu com os presos políticos capturados a mando de Joseph Stalin? Pelo que se sabe no Ocidente, poucos sobraram para contar a história – e mesmo os que sobreviveram não têm voz para relatar seus dramas. No mês que vem, contudo, um novo livro deve oferecer uma espiada inédita nas entranhas do bestial regime de repressão da União Soviética. Com publicação prevista para a próxima edição da Noviy Mir, uma revista literária russa, o romance Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, de Aleksandr Solzhenitsyn, promete dar detalhes nunca antes conhecidos do cotidiano dos prisioneiros do gulag, o sistema de campos de trabalho forçado da URSS. A obra é muito aguardada tanto dentro como fora do país – afinal, é o primeiro trabalho literário significativo de um dissidente do regime a ser lançado na URSS desde os anos 20. Desde aquela década, nenhum outro livro de cores políticas tão carregadas foi chancelado pelo governo. Ainda assim, Nikita Kruschev autorizou a publicação do romance sem qualquer tipo de censura. Talvez distraído pela crise dos mísseis de Cuba, talvez disposto a ser mais magnânimo que Stalin, o chefão comunista permitiu que Solzhenitsyn contasse sua história livremente, um fato sem precedentes no império soviético.
O autor da obra, um professor e historiador de 43 anos, não imaginou as atrocidades relatadas no livro nem ouviu os testemunhos de antigos prisioneiros – Solzhenitsyn sentiu a fúria do regime na própria pele, numa longa detenção que só por milagre não lhe custou a vida. Comandante de um pelotão de artilharia no Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, ele foi condecorado duas vezes no decorrer dos combates. No fim da campanha, entretanto, foi detido por criticar Stalin numa carta privada enviada a um amigo. Até esse momento, Solzhenitsyn jamais questionara a ideologia comunista ou a propalada superioridade dos soviéticos frente ao mundo capitalista. Tudo isso mudou nos oito anos de prisão nos campos para prisioneiros políticos. Em um deles, em Ekibastuz, no Cazaquistão, o autor foi escravizado como mineiro e pedreiro, sempre sob condições desumanas. Só deixou o campo em 1953, vítima de câncer e à beira da morte. Curado num hospital de Tashkent, Solzhenitsyn foi perdoado e pôde retornar à porção européia da URSS, onde passou a trabalhar como professor de escola secundária. À noite, contudo, o ex-prisioneiro escrevia em segredo, sem jamais imaginar que algum dia poderia mostrar essas páginas para qualquer outra pessoa.
Mais aqui: Resenha de Um Dia na Vida de Ivan Denisovich na revista Veja (outubro de 1962)
Trailer de Um Dia na Vida de Ivan Denisovich
“Um artista vê a si mesmo como um criador de um mundo espiritual independente. Ele iça em seus ombros o dever de criar esse mundo, de povoá-lo e carregar toda a responsabilidade por ele; mas ele cai diante disso, onde um gênio mortal não é capaz de suportar tal encargo. Ele é apenas um homem comum, que declarou-se como o centro da existência, e não teve sucesso em criar um sistema espiritual balanceado. E quando esse infortúnio o alcança, ele culpa a desarmonia do mundo, a complexidade da hoje rompida alma, ou a estupidez do público. (...) Mas toda a irracionalidade da arte, suas deslumbrantes voltas, suas inacreditáveis descobertas, estão rachando a existência humana – elas estão cheias de mágica para se exaurir pela visão artística do mundo. (...) Nem tudo assume um nome. Algumas coisas estão além das palavras. A arte eleva até mesmo uma alma congelada e escurecida para uma experiência de grande espiritualidade (...) Como naquele espelho de contos de fada: Olhe nele e você verá – não você mesmo – mas por um segundo, o Inacessível, para onde nenhum homem pode cavalgar, nenhum homem pode voar. E para o qual a alma apenas dá um suspiro ...”
•Entrevista concedida ao Der Spiegel em julho de 2007
•Página de Alexander Solzhenitsyn no site do Prêmio Nobel
•A critica de Arquipélago Gulag no New York Times (junho de 1978)
•Russia's literary light who illuminated dark world of Soviet regime